São Paulo, quarta-feira, 22 de janeiro de 1997
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Orador converte o púlpito em teatro

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

"Este mundo é um teatro; os homens as figuras que nele representam, e a história verdadeira de seus sucessos uma comédia de Deus, traçada e disposta maravilhosamente..."
Não é Shakespeare quem escreve, nos versos semelhantes e tão conhecidos de "As You Like It", ou "Como Você Quiser" ("All the world is a stage,/ And all the men and women merely players..."). É o padre Antonio Vieira, na "História do Futuro", escrita meio século depois, supostamente sem influência do inglês.
A imagem do mundo como um palco é ampla no barroco, em que a oposição ser/parecer, também muito presente no teatro, é uma obsessão.
Outro exemplo é "O Grande Teatro do Mundo" (1641), peça do espanhol Calderón de La Barca.
"Autor generoso meu, a cujo poder, a cujo acento obedece tudo, o grande teatro do mundo, eu, a que em mim representem os homens...", diz o "Mundo", protagonista, ao "Autor", que é Deus.
Teatro
Mas Calderón e Shakesperare são autores de teatro, propriamente, e o padre Vieira, brasileiro tanto quanto português, o maior escritor da Colônia, é um orador a quem o teatro não alcança. Ou não?
Um para dois anos atrás, uma genial leitura de um "Sermão da Quarta-Feira de Cinza" na aula-espetáculo do dramaturgo Ariano Suassuna e, quase ao mesmo tempo, a bela montagem do mesmo sermão pelo ator Pedro Paulo Rangel e o diretor Moacir Chaves abriram no palco a realidade.
O púlpito é teatro, na expressão do próprio Vieira, no "Sermão da Sexagésima".
Foi o que mostrou Alcir Pécora, professor da Unicamp, em "Teatro do Sacramento" (Edusp, 1994). Ele sublinha o "sentido e interesse que tem, para Antonio Vieira, o aspecto cerimonial envolvido na celebração eucarística", ou ainda, que Vieira "acaba por dramatizar inteiramente o impassível sacramental".
Oratória
É a "dramatização do Sacramento" de que trata o título -e que, aqui a aproximação é minha, está presente na própria origem dos "autos sacramentais" de Calderón, ou dos "mistérios" que tanto marcaram Shakespeare.
Ou -por que não?- nos autos do também brasileiro José de Anchieta.
Vieira ele mesmo trata diretamente da relação entre oratória sacra e "comédia" no celebérrimo "Sermão da Sexagésima".
Sempre irônico, compara os oradores a Plauto, Terêncio, Sêneca, que considera, porém, mais "verdadeiros".

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