São Paulo, quarta-feira, 22 de janeiro de 1997
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Cunningham pesquisa o caos familiar

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Michael Cunningham é hoje o herói da vida de desajustes da aparente placidez dos subúrbios norte-americanos. "Laços de Sangue" (Companhia das Letras), lançado agora no Brasil, é seu testamento sobre esse caos urbano.
Com "Uma Casa no Fim do Mundo" (1990), Cunningham, 44, saiu de uma vida de barman em Nova York para os cadernos de literatura. Avisava, com um romance sobre viagens, amor pelo mesmo sexo e drogas, que a calma familiar estava morta. E as relações normais, enterradas.
Em "Laços", Cunningham caminha -ao longo de 456 páginas- pela vida de Constantine, um imigrante grego, e sua mulher Mary.
Mary que gerou Billy (homossexual relutante), Susan, que se casa para evitar os avanços sexuais do pai, e Zoe, uma junkie que vive ao lado de Cassandra, drag queen e, na verdade, a verdadeira mãe dos personagens de toda a história.
*
Folha - "Laços de Sangue" é um épico sobre a vida das famílias suburbanas americanas. Mas em que tradição? A de John Cheever?
Michael Cunningham - Em um primeiro momento escrevo sobre as famílias do subúrbio, mas na verdade pretendo falar sobre as pessoas que moram em todos os outro lugares.
É claro que procuro imaginar como é a vida das pessoas "normais" dos subúrbios. John Cheever era um homossexual não assumido que vivia com as regras das famílias suburbanas. Eu sou um gay que cresceu nos subúrbios e que escapou da ilusão de felicidade das pessoas normais.
Tudo que eu queria era explodir com tudo isso. Eu incorporo uma tradição realista da literatura de meu país. "Laços de Sangue" é um romance realista.
Folha - Sua preocupação -assim como em "Uma Casa no Fim do Mundo"- é ainda a família. Mas sempre do ponto de vista dos desajustados. Não há normalidade na vida familiar?
Cunningham - Eu não sei se já existiu uma família normal na história, dos EUA ou de outro lugar (risos). Muitas pessoas que leram "Laços de Sangue" me perguntaram porque eu não escrevia sobre pessoas normais.
Se eu já tivesse encontrado alguém normal antes eu ficaria muito satisfeito em escrever a respeito.
Folha - Ser um homem gay significa automaticamente ser um escritor gay?
Cunningham - Não, de maneira alguma. Esse é um assunto que sempre aparece quando falo de meus livros. Eu sou um gay americano que escreve romances da mesma maneira que há brancos americanos que escrevem romances ou um negro americano etc. Há muitas coisas que sou e muitas que sei e pretendo transformar em literatura.
Eu sei muito mais do que apenas relações gays. Essa é a minha ambição. Em "Laços de Sangue" há personagens gays e heterossexuais. Mas para todos o sexo é determinante. E de todas as formas.
Folha - Tudo em seu romance é marcado pela imensidão, das paisagens aos sentimentos. Sua intenção era produzir um épico?
Cunningham - O romance é um épico. Acho que a coisa mais importante que pode ser dita sobre esse livro é que foi escrito durante a epidemia da Aids.
Muitas pessoas estavam doentes e eu tive que visitar muitos amigos no hospital que não liam muito. Ou liam uma literatura mais popular, não o tipo de livro que eu mesmo gosto de ler.
Quando escrevi "Laços de Sangue" procurava um tipo de livro que eu pudesse levar para as pessoas em um hospital, um livro que eu pudesse entregar para alguém que não fosse viver por muito tempo. Entregar a essas pessoas coisas desmedidas e verdadeiras.
Folha - É muito difícil escrever sobre coisas verdadeiras nos EUA?
Cunningham - Acho que é difícil escrever sobre coisas verdadeiras em qualquer lugar.

Livro: Laços de Sangue
Autor: Michael Cunningham
Lançamento: Companhia das Letras
Quanto: R$ 31 (456 págs.)

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