São Paulo, quarta-feira, 22 de janeiro de 1997
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A reeleição e o óleo de cobra

ANTONIO DELFIM NETTO

Os economistas que construíram o brilhante programa de combate à inflação e, simultaneamente, a armadilha cambial que exige altos juros, destrói o setor produtivo industrial e agrícola e só se sustenta à custa de baixos níveis de atividade e de emprego descobriram o "óleo de cobra".
Todos nos lembramos dos filmes do "velho oeste" em que um espertalhão de fraque e cartola, montado numa carroça, vendia o milagroso óleo de cobra, que curava desde unha encravada até nó nas tripas. O novo "óleo de cobra" é a reeleição!
Um dos mais competentes daqueles economistas afirmou no começo de dezembro à "Revista da Indústria" que a situação de março de 1997 seria completamente diferente da de março de 1995 e que não haveria nenhuma necessidade de frear a economia para combater o déficit comercial, porque "o nível de atividade atual, apesar de alto, nem de longe se assemelha ao ritmo alucinado do segundo semestre de 1994".
Escreveu que "o controle dos gastos públicos abrirá espaço para a expansão das exportações e dos investimentos e permitirá conciliar a retomada do crescimento com o equilíbrio externo". Só não explicou como se realizará essa milagrosa "transferência imaculada" de recursos para o setor de menor taxa de retorno e maior risco, que é o exportador. Mas, com toda a candura, afirmou que tudo se resolveria com o óleo de cobra: a reeleição!
Em apenas seis semanas tudo mudou: ele mesmo disse à Folha no dia 17 de janeiro que "pelas indicações da balança comercial de dezembro e janeiro (...) supõe que será preciso aplicar um freio na economia, para evitar uma deterioração das contas (externas), uma vez que (...) a economia está bastante aquecida e o nível de utilização da capacidade produtiva já chegou a um nível bem alto".
O que propõe? Vender todas as estatais para financiar o déficit em conta corrente enquanto se faz o ajuste fiscal! Dilapidar o patrimônio público para financiar a "orgia consumista", em lugar de usá-lo para recomprar a dívida interna! Mas para fazer isso é também indispensável o "óleo de cobra".
É possível corrigir as "inconsistências internas e externas do plano"? Com mais seis anos pela frente tudo é possível... Mas por que seis anos? Para garantir os lucros sem riscos dos teólogos da especulação à custa do risco sem lucro dos produtores?
É lamentável a miopia que se abateu sobre a sociedade brasileira no campo político. O plebiscito (que os sobas da especulação condenam porque vai aumentar os seus riscos) é fundamental para esclarecer a população sobre as possíveis consequências não desejadas de um processo de reeleição nos três níveis de governo sem regras claras de desincompatibilização e salvaguardas adequadas contra o abuso da máquina estatal.
Se, de fato, para desmontar a armadilha os economistas do governo crêem que precisam de mais seis anos, seria mais seguro para todos propor logo a prorrogação do mandato do presidente. Seria um pouco mais cínico e, talvez, apenas menos elegante.

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