São Paulo, sábado, 25 de janeiro de 1997
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Para Pádua, jurados têm veredicto pronto

LUÍS FRANCISCO CARVALHO Fº
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Réu diz que cela no tribunal é 'cadeia de luxo' e que presença de atores influencia o júri

Para o ator Guilherme de Pádua, os jurados chegaram ao tribunal "com o veredicto pronto na mente". Ele disse, em entrevista exclusiva à Folha na madrugada de sexta-feira, depois de ser recolhido à carceragem, que esperava ser condenado.
"Estão colocando uma cruz além do que a lei determina", disse, demonstrando ansiedade e desejo de transmitir sua versão para o crime.
Trancado em uma cela ampla, localizada no andar térreo do tribunal, Pádua falou sobre o seu filho e a "ingratidão" de Paula Thomaz, sua ex-mulher.
Reclamou da imprensa, da pressão da escritora Glória Perez, na primeira fileira, ao lado de artistas da Rede Globo: "O júri está a dez metros dos seus ídolos" e "os meus pais, lá atrás, sofrendo".
Depois de 13 horas de sessão, suado e sem camisa, Pádua falou enquanto terminava o jantar -frango à milanesa, arroz e tomates-: "Isso aqui é cadeia de luxo, vai lá ver onde é que eu moro, a comida que eu como".
Preso há quatro anos, disse que antes era um "chorão", mas que agora está "calejado".
*
Folha - Qual é a sua expectativa?
Guilherme de Pádua - Eu não tenho expectativa, acho que serei condenado de forma injusta sem serem analisadas as provas.
Estou impressionado: 99% dos testemunhos são falsos. As pessoas vêm aqui dizer mentiras, como os dois frentistas. Veio somente o Hugo da Silveira (testemunha de acusação), que fala a verdade mesmo, que realmente passou no local. Tudo bate exatamente com o que aconteceu.
Inclusive hoje (anteontem), pela primeira vez, ele revelou o que eu já havia revelado no meu livro: que ele, nos dois testemunhos, dizia que viu a placa OM, UM ou LM.
Mas eu, no meu livro, disse que ele não viu LM, que o policial é que falou: "Será que não seria LM?".
Hoje, sem perceber, ele confirmou naturalmente o que eu havia contado no meu livro. Detalhe mínimo, mas que...
Você sente que as pessoas estão predispostas?
Pádua - Acho que as pessoas estão preparadas mesmo. A cada hora vem alguém e me pergunta: "Vem cá, é verdade que você luta artes marciais mesmo?", "É verdade que você bateu nos presos?", "Vem cá, você era leopardo, não era?". Quer dizer, isso tá entranhado dentro do cérebro das pessoas. Não tem como tirar.
Os jurados sofrem do mesmo problema. O meu medo, a minha impressão, é que eles não estão escutando nada, eles já vieram com o veredicto pronto na mente.
Folha - Sentado de frente para os jurados, você se sente observado o tempo todo por eles?
Pádua - Eu procuro não olhar pra eles porque acho constrangedor. Eles podem pensar que eu poderia de alguma forma querer intimidar. Eu já não olho pra ninguém, com medo do que as pessoas possam pensar.
Folha - Você ficou satisfeito com o seu interrogatório?
Pádua - Fiquei. O Paulo (advogado de defesa) acha que eu exacerbei muito as emoções, mas eu não consegui me lembrar das coisas sem que as emoções brotassem novamente. Eu sinto mesmo, não adianta. As emoções vêm.
Folha - As pessoas costumam dizer que você é ator.
Pádua - Sou, fui, agora, ser ator na vida natural é muito mais difícil. Principalmente quando você já tá calejado de sofrer.
Eu era um chorão quando entrei na cadeia. Eu chorava após um filme triste, quando me contavam uma história triste. Chorei dias e dias seguidos, hoje não pinga uma lágrima dos meus olhos.
Algumas vezes durante o tribunal, senti vontade de chorar, mas tem uma coisa que calejou dentro de mim. Agora eu seguro e falo assim: "Não chora não, cara, você é forte, não chora não".
Folha - Você acha que sensibilizou os jurados?
Pádua - Eu não fui lá pra sensibilizar. Eu falei no meu depoimento os meus defeitos, as vaidades que tive, da minha fraqueza, por que eu levei a Paula (ao encontro com a Daniella). Têm coisas péssimas que eu falei contra mim mesmo, mas fui sincero.
As pessoas que escutaram, pelo menos as que estavam próximas de mim -pessoas da administração do julgamento, da alimentação, assistentes do juiz-, falam assim: "Puxa, se existe alguém que tá dizendo a verdade, é você. Pode ser que não, mas é a única versão que convence, que faz sentido". Mas eu não acredito que isso vá surtir efeito.
Hoje eu reclamei com o meu advogado que a Glória Perez tá sentada na primeira fileira, ao lado da família e de atores que estão na novela das 7h, das 8h...
O júri está a dez metros dos seus ídolos da noite, eles também assistem televisão, as mulheres deles, a esposa, o marido, os filhos, todo mundo adora o Victor Fasano.
A Glória Perez senta na primeira cadeira e os meus pais lá atrás, temendo uma série de coisas, mas ali, solidários, sofrendo.
Folha - Você tem visto seu filho?
Pádua - Tenho. Agora, o relacionamento com o meu filho está excelente, porque ele já se acostumou comigo. Meus pais pegaram ele para passar 15 dias, a família está toda apaixonada por ele.
Folha - Como você se sente acusando a sua ex-mulher?
Pádua - Estou com a minha consciência mais do que limpa, devido a tudo o que eu fiz antes, tentando protegê-la, coisa que sei que poucos fariam. Eu tenho visto muitos falarem: "Eu também faria isso pela minha mulher", mas, na hora que a coisa aperta, todo mundo corre, todo mundo pula fora.
Não fui eu quem precipitou essa decisão. Foi ela quem me acusou primeiro, apesar da minha proteção. Foi ela quem mostrou ingratidão. Hoje digo pra mim mesmo: "Não é culpa minha, foi ela quem escolheu assim".
Ela poderia ter um babaca, um otário assumindo tudo. Bastaria ela ter um pouco mais de inteligência, não me deixar perceber o quanto ela estava sendo falsa comigo. Bastaria isso, mas ela não teve capacidade, porque a ganância, a falta de gratidão foi tamanha que ela ainda quis me acusar, quis inventar. Ela demonstrou que não era esposa. Foi um grande erro.
Folha - Você tem ansiedade por falar, dá para notar...
Pádua - É. O Paulo Ramalho reclamou que eu ficava falando com o juiz, mas são quatro anos em que as pessoas não escutaram nada do que eu tinha pra dizer. Você ouviu a minha carta? O que eu dizia? Que as pessoas não escutaram nada, que eu não tinha chance de falar. Todo mundo viu, todo mundo sabe o que a imprensa disse, só não sabe a verdade.
Folha - A comida tá boa?
Pádua - Isso aqui é cadeia de luxo. A cela foi pintada, a comida é excelente.
Folha - A sua comida no dia-a-dia é assim?
Pádua - Puxa, isso aqui é cadeia de luxo. Vai lá ver onde eu moro, a comida que eu como. O dia do julgamento é uma festa pro Tribunal, só que é a minha vida que está em jogo.
Eles estão fazendo isso, colocando uma cruz além do que a lei determina. O Paulo Ramalho tem esperança, mas eu não. Eu sei que eles vão fazer injustiça, já preparam a mente das pessoas pra isso.

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