São Paulo, sábado, 25 de janeiro de 1997
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O frango, o bode e o iogurte

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - O aumento no consumo de frango e iogurte, como decorrência do Plano Real, virou a versão tupiniquim do "fim da história", aquela teoria que diz que a aventura humana na Terra terminou com a vitória definitiva do capitalismo tal como é concebido e praticado hoje.
Dado que os pobres consomem mais frango e iogurte, o Brasil estaria resolvido, insinua a propaganda.
Por mim, o Plano Real é o bode da velha história. Antes do Real e antes da superinflação, o Brasil era uma casa apertada, cheia de goteiras, em que a maioria vivia mal, comia mal e se vestia mal.
Veio o prolongado período de superinflação e a maioria passou a viver pior, comer menos e vestir-se pior. Quando o Real tira o bode da superinflação da casa, diminui o aperto e cessa o mau cheiro, o que é bom, mas volta-se à situação prévia, nada boa.
Essa teoria empírica ganhou ontem ares, digamos, científicos, a partir de pesquisa sobre o mercado de consumo na América Latina, sintetizado no jornal "Gazeta Mercantil", sob um título que já diz tudo: "O consumo no Brasil é ínfimo".
Vê-se, pela pesquisa, que, por mais que o Brasil esteja batendo recorde sobre recorde na produção e venda de veículos, ainda há menos veículos por habitante no Brasil do que no México, país que não seria exatamente o destino de brasileiros eventualmente desiludidos com o seu país.
Vê-se, também, que o chileno consome mais bebidas leves (sucos, refrigerantes etc.) do que o brasileiro. E por aí vai.
O iogurte e o frango, portanto, estão longe de esgotar a história. Há quem me acuse de desejar a utopia, em vez de me conformar com o possível. É uma acusação justa.
Ou, para reproduzir o poeta Mário Quintana: "Se as coisas são inatingíveis, ora/Não é motivo para não querê-las". Até porque desejar menos é condenar-se a obter menos. Iogurte e frango é pouco.

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