São Paulo, sábado, 25 de janeiro de 1997
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Nos bastidores do neoliberalismo

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

A maior parte das nações experimenta hoje os efeitos do neoliberalismo, não só de suas medidas econômicas, mas também na cultura que supõe ou que promove, em especial sua concepção da pessoa humana e das opções políticas que acarreta.
Cresce o estudo sobre os aspectos positivos, e mais ainda sobre os aspectos negativos do neoliberalismo. Tenhamos, em particular, presente a aflição dos mais pobres e excluídos do processo de desenvolvimento. Há um mal-estar social, que pode aumentar e deriva de uma política econômica que tem o mercado por meio e fim.
Uma das características das medidas neoliberais está em provocar a concentração da renda, das riquezas, da apropriação da terra e do solo urbano, aumentando a brecha entre ricos e pobres e o número dos que ficam à margem do trabalho, do salário e do mercado.
O neoliberalismo, reduzindo sempre mais a intervenção redistributiva do Estado, tende a manter e até aumentar a desigualdade econômica e social, deixando de lado os esforços para promover a justiça social.
Seria, sem dúvida, necessário aprofundar a análise da atual situação socioeconômica de nossos países. Há, no entanto, algumas atitudes básicas que não podem faltar para que seja possível a construção de uma sociedade marcada pela justiça e fraternidade. Não se trata de julgar, apenas, aqueles que fomentam as medidas estruturais do neoliberalismo, mas de perceber qual o comportamento que devemos todos ter diante da tendência a acumular bens, sem discernimento de valores e respeito ao próximo.
O ambiente em que vivemos vai aos poucos fechando-se na poluição do individualismo, do descaso pelos outros e desatenção ao bem comum.
Torna-se, por isso, indispensável robustecer o valor da gratuidade, da doação de si no mundo materializado, no qual tudo tem um preço e as pessoas são consideradas pela riqueza que conseguem acumular.
Quem não percebe a importância do amor gratuito, orientado para o bem do próximo, sem medir sacrifícios, a exemplo da dedicação materna, do serviço voluntário aos aidéticos e doentes, às crianças abandonadas e aos idosos? Temos que redescobrir a alegria do gesto generoso, da partilha conforme o Evangelho, da vida sóbria e simples, evitando o consumismo e a avidez do supérfluo.
Deixemo-nos atrair pela prática da solidariedade, frequente nas últimas semanas no auxílio prestado a milhares de vítimas das enchentes. Não há dinheiro público que possa equivaler à soma das ofertas trazidas pelo povo, de todas as partes para atender aos necessitados. É preciso que esse espírito impregne sempre mais o relacionamento da população e consiga transformar o próprio coração humano.
Como alcançar essa meta? Não nos esqueçamos de que temos para isso que abrir aos bens espirituais, à compreensão da brevidade desta vida terrena, a presença de Deus em nosso íntimo convidando-nos ao diálogo, ao amor e à comunhão que supera o egoísmo e a atração fugaz das riquezas materiais.
Feliz é quem, ao penetrar nos bastidores do neoliberalismo, percebe a falácia e acolhe a palavra de Jesus Cristo: "A verdade vos libertará".

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

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