São Paulo, sábado, 25 de janeiro de 1997
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Benefício incalculável

JOSÉ EDUARDO DUTRA

A doação de um órgão ou tecido pode ser fundamental para a existência de nossos semelhantes. Qual a razão, então, para deixar de adotar a sistemática da doação presumida, se ela viria para beneficiar milhares de cidadãos? Na maioria dos países europeus, bem como em alguns Estados norte-americanos, essa regra vigora com grande sucesso. As filas de espera para transplante diminuíram bastante nos países que adotaram a doação presumida.
Os argumentos daqueles que rejeitam esse método são os mais falaciosos possíveis. Dizer que o Estado estaria cassando a liberdade individual não é procedente. Segundo a nova legislação, ninguém estará obrigado a deixar seus órgãos para doação.
Uma das preocupações que tive, ao elaborar essa proposição, foi a de preservar o direito da pessoa que não queira ser doadora. Para isso, basta simplesmente que se faça constar em um documento pessoal a vontade de não doar. Dessa forma, respeita-se a vontade dos cidadãos sem impedir que haja avanços na área de transplantes.
Outro argumento inverídico é o de que o aumento do número de doadores em potencial poderia criar um mercado negro de órgãos. Ora, tal afirmativa não é verossímil. Na verdade, ocorrerá exatamente o contrário. Na medida em que se tem oferta suficiente para atender aos que buscam um órgão por meios legais, o que poderia levar alguém a buscá-lo de forma criminosa?
Afirmam também que não há estrutura para captação de órgãos e que, por isso, a lei seria inócua em determinadas regiões. Isso, realmente, é fato. A lei é apenas o pontapé inicial.
Seria muito primário imaginar que da noite para o dia os problemas estariam resolvidos. Contudo, na medida em que há uma maior oferta de órgãos, o Estado terá que criar uma estrutura capaz de atender mais pessoas. Isso ocorrerá com o tempo.
Ademais, somente com o tratamento da hemodiálise realizado em pacientes renais crônicos, o governo gasta mais de R$ 400 milhões por ano. Com o transplante de rins, esse dinheiro poderia destinar-se ao aprimoramento de aparelhos necessários às doações.
O benefício seria incalculável. De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde, somente no Estado de São Paulo 10 mil pessoas esperam na fila para transplantes de rins, outras 5.000 aguardam por uma córnea e assim por diante. Como o número de doadores é extremamente pequeno, muitas pessoas esperam anos, outras morrem antes. Com a doação presumida, certamente esse quadro melhorará.
O fato é que a atual legislação, mesmo sendo recente (1992), não atendeu a demanda da sociedade. Ainda que se considere a boa vontade do brasileiro em doar, tal atitude não se efetiva.
Segundo o Datafolha, 75% dos paulistanos doariam seus órgãos. No entanto, 63% não sabem sequer qual o procedimento para autorizar em vida a doação. Por tais razões, é imprescindível que melhoremos a legislação vigente, para que possamos, num período curto, além de salvar vidas, diminuir o sofrimento de inúmeras pessoas.

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