São Paulo, sábado, 4 de outubro de 1997
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Leia a íntegra do discurso no Congresso Teológico-Pastoral

Leia a seguir o texto integral do discurso do papa durante encontro com bispos e convidados do Congresso Teológico-Pastoral, no Centro de Congressos Riocentro.
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"Veneráveis irmãos no episcopado,
Queridos congressistas:
É grande a alegria que sinto por me encontrar com as famílias que participaram, em representação de várias nações, neste Congresso Teológico-Pastoral realizado em vista do Segundo Encontro Mundial das Famílias. Saúdo a vós, veneráveis irmãos no episcopado do Brasil, da América Latina e de todo o mundo, e saúdo igualmente as famílias presentes e todas quantas nelas estão representadas. Ao invocar do Todo-Poderoso abundantes graças de sabedoria e de fortaleza, que sirvam de estímulo para reafirmar com fé o lema: "Família: dom e compromisso, esperança da humanidade", eu gostaria de refletir convosco algumas pistas e exigências do trabalho apostólico e pastoral com as famílias que tendes por diante.
Algumas das considerações, que de modo especial proponho a vós bispos, mestres da fé e pastores do rebanho -chamados a imprimir um renovado dinamismo à pastoral familiar-, já foram objeto de atento estudo no Congresso Teológico-Pastoral. Agradeço as saudações do senhor cardeal Alfonso López Trujillo, presidente do Pontifício Conselho para a Família, e convido os participantes -delegados das conferências episcopais, dos movimentos, das associações e grupos-, vindos de todo o mundo, a aprofundar e difundir com entusiasmo os frutos deste trabalho, empreendido com plena fidelidade ao magistério da Igreja.
O homem é a via da Igreja. E a família é a expressão primordial desta via. Como escrevia na carta às famílias, "o mistério da encarnação do verbo está (...) em estreita relação com a família humana. Não apenas com uma, a de Nazaré, mas de certa forma com cada família, analogamente a quanto afirma o Concílio Vaticano 2º do Filho de Deus que, na encarnação, 'se uniu de certo modo com cada homem' (GS, 22). Seguindo a Cristo que 'veio' ao mundo 'para servir' (Mt 20,28), a Igreja considera o serviço à família uma das suas obrigações essenciais. Neste sentido, tanto o homem como a família constituem 'a via da Igreja"' ("Gratissimam sane", 2).
O Evangelho ilumina, portanto, a dignidade do homem e redime tudo o que pode empobrecer a visão do homem e da sua verdade. É em Cristo onde o homem percebe a grandeza da sua chamada como imagem e filho de Deus; é n'Ele onde se manifesta em todo o seu esplendor, o projeto original de Deus-Pai sobre o homem, e é em Cristo onde tal projeto alcançará sua plena realização. É em Cristo, igualmente, onde essa primeira e privilegiada expressão da sociedade humana que é a família, encontra a luz e a plena capacidade de realização conforme os planos amorosos do Pai.
Se é certo que Cristo "revela plenamente o homem a si mesmo', fá-lo a começar da família onde Ele escolheu nascer e crescer" ("Gratissimam Sane", 2). "Cristo lumen gentium", luz dos povos, ilumina os caminhos dos homens. Entre eles fica iluminada, sobretudo, a íntima comunhão de vida e de amor dos esposos, que é a encruzilhada necessária na vida dos homens e dos povos, em que Deus sempre veio-lhes ao encontro.
Esse é o sentido sagrado do matrimônio, de algum modo presente em todas as culturas, embora com as sombras devidas ao pecado original, e que adquire uma altura e um valor eminentes com a revelação: "Assim como Deus outrora tomou a iniciativa duma aliança de amor e fidelidade com o seu povo, assim agora o Salvador dos homens e Esposo da Igreja vem ao encontro dos esposos cristãos através do sacramento do matrimônio. Além disso, permanece com eles, para que assim como Ele amou a Igreja e Se entregou por ela, assim os esposos, com sua mútua entrega, se amem em perpétua fidelidade" (GS, 48).
A família não é para o homem uma estrutura acessória e extrínseca, que impede seu desenvolvimento e sua dinâmica interior. "O homem, por sua própria natureza, é um ser social, que não pode viver nem desenvolver as suas qualidades sem entrar em relação com os outros" (GS,12). A família, longe de ser um obstáculo para o desenvolvimento e o crescimento da pessoa, é o âmbito privilegiado para fazer crescer todas as potencialidades pessoais e sociais que o homem leva inscritas no seu ser.
A família, fundamentada e vivificada pelo amor, é o lugar próprio onde cada pessoa está chamada a experimentar, fazer próprio e participar daquele amor sem o qual o homem não pode viver, e toda a sua vida fica destituída de sentido (cf." Redemptor Hominis", 10; "Familiaris Consortio", 18).
As trevas que afetam, hoje em dia, a mesma concepção do homem atacam primeira e diretamente a realidade e as expressões que lhe são conaturais. Pessoa e família correm paralelas na estima e no reconhecimento da própria dignidade, como também nos ataques e tentativas de decomposição. A grandeza e a sabedoria de Deus manifestam-se em suas obras. Hoje em dia, porém, parece que os inimigos de Deus, mais que atacar frontalmente o Autor da criação, preferem defrontá-Lo em suas obras. E o homem é o cume, o auge das suas criaturas visíveis. "Gloria enim Dei vivens homo, vita autem hominis visio Dei" (S. Ireneu, Adv, haer. 4, 20, 7).
Entre as verdades obscurecidas no coração do homem, por causa da crescente secularização e do hedonismo reinantes, ficam especialmente afetadas todas aquelas relacionadas com a família. Em torno à família e à vida se trava hoje o combate fundamental da dignidade do homem. Em primeiro lugar, a comunhão conjugal não é reconhecida nem respeitada nos seus elementos de igualdade na dignidade dos esposos, e de necessária diferença e complementaridade sexual. A mesma fidelidade conjugal e o respeito pela vida, em todas as fases da sua existência, estão subvertidos por uma cultura que não admite a transcendência do homem criado à imagem e semelhança de Deus. Quando as forças desagregadoras do mal conseguem separar o matrimônio da sua missão respeito à vida humana, atentam contra a humanidade, furtando-lhe uma das garantias essenciais do próprio futuro.
O papa quis vir até ao Rio de Janeiro para saudar-vos de braços abertos, à semelhança do Cristo Redentor, que domina esta cidade maravilhosa do alto do Corcovado. E veio para confirmar-vos na fé, para sustentar vosso esforço em testemunhar os valores evangélicos. Por isso, diante dos problemas centrais da pessoa e da sua vocação, a atividade pastoral da Igreja não pode responder com uma ação setorial do seu apostolado. É necessário empreender uma ação pastoral nas quais as verdades centrais da fé irradiem sua força evangelizadora nos vários setores da existência, especialmente sobre os temas da família. Trata-se de uma tarefa prioritária fundada na "certeza de que a evangelização, no futuro, depende em grande parte da Igreja doméstica" ("Famillaris consortio", 65). É preciso despertar e apresentar uma frente comum, inspirada e apoiada nas verdades centrais da revelação, que tenha como interlocutor a pessoa, e como agente a família.
Por isso, os pastores se conscientizam cada vez mais de que a pastoral familiar exige agentes com uma esmerada preparação e, por sua vez, estruturas ágeis e adequadas nas conferências episcopais e nas dioceses, que sirvam de centros dinâmicos de evangelização, de diálogo e de ações organizadas em conjunto, com projetos bem elaborados e planos pastorais.
Ao mesmo tempo, quero encorajar todo esforço dirigido a promover adequadas estruturas organizativas, tanto no âmbito nacional como no internacional, que assumam a tarefa de tecer um diálogo construtivo com as instâncias políticas, das quais depende em boa medida a sorte da família e da sua missão a serviço da vida. Encontrar os caminhos oportunos para continuar propondo eficazmente ao mundo os valores básicos do plano de Deus, significa comprometer-se para salvaguardar o futuro da humanidade.
(Texto originalmente em espanhol.) Além de iluminar e reforçar a presença da igreja fermento, luz e sal da terra para que a vida dos homens não se descomponha, é necessário dar prioridade a programas pastorais que promovam a formação de lares plenamente cristão e acrescentem aos esposos a generosidade de encarnar em suas próprias vidas as verdades que a igreja propõe para a família cristã.
A concepção cristã do matrimônio e da família não muda a realidade dos seres, mas sim eleva aqueles componentes essenciais da sociedade conjugal: a comunhão de esposos que geram novas vidas, as educam e as integram à sociedade, e a comunhão das pessoas como vínculo firme entre os membros da família. (Fim do trecho em espanhol.)
Hoje, ao vir a este Centro de Congressos -o Riocentro-, invoco sobre vós, cardeais, arcebispos, bispos representantes das diversas conferências episcopais do mundo inteiro e sobre os delegados do Congresso Teológico Pastoral e suas famílias, a luz e o calor do Espírito Santo. A Ele se volta a Igreja, para que infunda sobre todos sua presença santificadora, e renove na Esposa de Cristo "o ardor missionário para que todos cheguem a conhecer a Cristo, verdadeiro Filho de Deus e verdadeiro filho do homem" (cf." Oração para o Primeiro Ano em Preparação ao Jubileu do Ano 2000").
Amanhã celebraremos no estádio do Maracanã o Ato Testemunhal, com todos vós que trouxestes aqui a imensa riqueza, as preocupações e as esperanças de vossas igrejas e povos, e que servirá de moldura para a eucaristia do domingo, no Aterro do Flamengo, no qual viveremos, à luz da fé, o mistério do pão vivo, descido dos céus, o maná das famílias que peregrinam em direção a Deus!
Faço votos de que, pela mediação da Santíssima Virgem Maria, os frutos deste nosso encontro possam encontrar corações bem dispostos para acolher, com renovado ardor missionário, as luzes do Altíssimo, em vista de uma nova evangelização da família e de toda a sociedade humana. Que o Espírito do Pai e do Filho, que é também o Espírito-Amor, nos conceda a todos a bênção e a graça que desejo transmitir aos filhos e filhas da Igreja e a toda a família humana.

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