São Paulo, sábado, 4 de outubro de 1997
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Grampo telefônico marca disputa por diretoria de fundo de pensão

MARTA SALOMON
LUCIO VAZ
VIVALDO DE SOUSA

MARTA SALOMON; LUCIO VAZ; VIVALDO DE SOUSA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Fitas anônimas chegam ao Planalto e põem em choque secretário da Presidência e PPB

A disputa pelo controle de um fundo de pensão de estatal provocou uma guerra entre deputados do PPB e o secretário-geral da Presidência, Eduardo Jorge.
Pessoas envolvidas na disputa já foram alvos de escutas telefônicas. Segundo assessores do Palácio do Planalto, o "grampo telefônico" está sendo utilizado como chantagem contra o governo.
O pivô da briga é Júlio Carlos Faveret Porto, nomeado diretor financeiro do Real Grandeza, fundo de pensão de Furnas Centrais Elétricas. Porto foi indicado por deputados do PPB. A sua nomeação foi fechada em troca de votos do partido para o projeto de reforma administrativa na Câmara, que permite a demissão de funcionários públicos estáveis.
Porto teve seus telefones grampeados. O mesmo ocorreu com dois amigos de Porto: Marcos Tosta de Sá, presidente da Prevab (fundo de pensão do extinto BNH), e Haroldo Faria. Este último é primo de Cláudio Faria, chefe de gabinete de Eduardo Jorge.
O nome do secretário-geral aparece várias vezes nas conversas. Numa delas, Porto conta a sua mulher que está forte no Planalto. "Para você ter uma idéia, o Eduardo Jorge e o Cláudio me receberam três vezes hoje. Os dois ficaram comigo mais de uma hora."
Chantagem
As fitas chegaram de forma anônima ao Planalto. Segundo assessores do governo, os autores da fita estão fazendo a seguinte chantagem: ou Porto é demitido ou as fitas serão divulgadas para a imprensa. Parlamentares do PPB negam ter feito as gravações, mas confirmam que tentaram barrar a nomeação do diretor, que havia sido indicado por eles mesmos.
A Folha teve acesso a trechos das gravações. As fitas contêm frases que insinuam irregularidades no comportamento dos dirigentes dos fundos. A passagem mais picante trata de uma remessa de dinheiro para uma conta no Citibank de Nova York, em nome de Luciano Porto, filho de Porto.
Em outro trecho, há referência a um pagamento que teria de ser feito em dinheiro por Marcos Tosta de Sá para evitar "problemas com o Banco Central". Não fica claro que tipo de problema seria.
Convocado a dar explicações, Porto alegou que a remessa se destinava ao pagamento de despesas do filho, estudante da Universidade de Colúmbia (EUA). Sá alegou tratar-se do pagamento da festa de casamento de seu filho.
Nas fitas, não há referência a políticos. A exceção é o prefeito do Rio, Luiz Paulo Conde, cujo nome aparece numa menção ao pagamento de uma "mais valia" na obra de um hospital na cidade. A Folha apurou que a "mais valia" é uma taxa cobrada legalmente pela prefeitura para regularizar obras.
Mais de duas semanas depois de as fitas terem sido entregues a Eduardo Jorge, homem de confiança do presidente Fernando Henrique Cardoso, Porto continuava ontem no cargo.
As investigações sobre as fitas ainda estão restritas ao Planalto. Uma auditoria prévia feita por Furnas na movimentação do fundo não apontou irregularidades. A auditoria agora será aprofundada.
Independentemente do conteúdo das fitas, já existe um crime no episódio. Escuta telefônica é crime previsto pelo Código Penal, com pena de 1 a 3 anos de detenção.
A única indicação sobre a autoria do grampo foi dada à Folha por Sá, presidente da Prevab. Na quarta-feira, ele apontou Eduardo Cunha, dirigente do PPB no Rio e ex-presidente da Telerj, como responsável pelas gravações. Ontem, ligou para a Folha para retirar o que dissera. Cunha negou que tenha sido o autor da escuta e ameaçou processar quem o acusar.
Barganha
A indicação de Porto revela uma nova faceta do loteamento de cargos entre aliados do governo. No governo FHC, 600 cargos de confiança já foram negociados em troca de votos no Congresso.
Até mesmo as direções dos fundos, que estariam preservadas da barganha, foram objeto de negociação na votação da reforma administrativa e da renovação do Fundo de Estabilização Fiscal.
O deputado Francisco Silva (PPB-RJ) disse que indicou Porto para a diretoria financeira apoiado por outros 13 deputados do partido. Odelmo Leão (MG), líder do PPB na Câmara, confirma a indicação. Em julho, o pedido foi aceito. Mas antes da posse de Porto, os parlamentares já haviam mudado de idéia. Pediram a Eduardo Jorge que cancelasse a nomeação, marcada para o dia 25 daquele mês.
Motivo: os padrinhos da indicação perceberam que não poderiam contar com o "afilhado". Concluíram que Porto havia sido "infiltrado" no meio político, e que seguiria diretrizes de Eduardo Jorge, avalista dessa e das demais indicações para cargos de confiança.
O ministro Luiz Carlos Santos (Assuntos Políticos) intermediou a negociação. Disse que ela seguiu a "praxe", mas insiste em que não conhece Porto nem teve responsabilidade na decisão. "Me diga qual votação não é complicada", perguntou, justificando a negociação.
Coube ao presidente de Furnas, Luiz Laércio Simões Machado, assinar a nomeação. Ele não dá nome aos padrinhos. Questionado sobre a eventual ligação de Porto com o secretário-geral, o presidente disse: "Isso certamente facilitou a aprovação de seu nome".
Turma do Santo Inácio
Eduardo Jorge e Júlio Porto já haviam se encontrado bem antes desse episódio, nos anos 50. Foram colegas no Santo Inácio, tradicional colégio católico no Rio. Terminaram o segundo grau em 60. O ministro da Fazenda, Pedro Malan, formou-se nessa turma.
O colégio também acolheu os outros grampeados: Sá e Haroldo Faria. Porto, Sá e Faria ainda são amigos. "Júlio é um grande amigo há mais de 44 anos", disse Sá, apontado por pepebistas como a pessoa que apresentou Porto aos deputados. Sá nega ter feito a apresentação de Porto. Ontem, disse que conheceu Francisco Silva por intermédio de Eduardo Cunha.
Um quinto estudante do colégio não chegou a ser grampeado, mas é citado nas fitas: Cláudio Faria, o chefe de gabinete de Eduardo Jorge. A amizade dos tempos de colégio reforçou, para os adversários de Porto, a tese de que ele seguiria orientações de Eduardo Jorge.
Procurados ontem pela Folha, o secretário-geral da Presidência e Porto não quiseram se manifestar.

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