São Paulo, domingo, 5 de outubro de 1997 |
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No país da primeira visita, tchan não passava nem com tarja preta
MARIO CESAR CARVALHO
Antes de 1980, o tchan não passava nem com tarja preta -um recurso ridículo que escondia as genitálias no filme "Laranja Mecânica". Os militares eram do tipo que seguravam o tchan (seguravam no sentido de proibir, vetar, conter). Há um cânion entre esses brasis, o que o papa viu então e o que vê agora. Até 80, quase tudo era proibido -de greves a filmes de temática política ou sexual. Em 97, o sexo chegou à TV. Nessa matéria, ao menos, a hipocrisia encolheu. Em 80 a represa da censura rompeu-se, e o país começou a se embasbacar com o que era corriqueiro em outros cantos. "O Império dos Sentidos" (76), filme de Nagisa Oshima que usa o sexo pesado para dissecar a paixão, virou escândalo quando passou em 80. Num país em que o direito elementar do voto era estigmatizado como subversão, o sexo virou o ópio do povo. David Cardoso, ator medíocre e diretor de cinema idem, é um símbolo dessa época. Outro filme, "Z" (1968), do grego Costa-Gavras, teve de esperar 12 anos para chegar às telas aqui e tornou-se bandeira da esquerda não por suas qualidades, mas por mostrar um assassinato político. "Regime pecaminoso" Nem o catolicismo continua o mesmo. Se agora João Paulo 2º vem pregar contra o aborto e a favor da família, em 80 contemporizou com bispos que eram contrários a suas posições. Em Recife, chamou d. Hélder Câmara, um bispo preocupado com questões políticas, de "meu irmão". As oposições ao papa no Brasil não eram pequenas. Alastravam-se pelo país as comunidades eclesiais de base, nas quais a pregação católica era mesclada à defesa das liberdades democráticas. D. Aloísio Lorscheider, arcebispo de Fortaleza à época e ex-presidente da CNBB, sintetizou numa frase o espírito dessa facção católica: "O sistema é pecaminoso". O alvo eram os militares. No final da visita, João Paulo 2º deixou claro que não aprovava os rumos que a igreja havia tomado aqui. Avisou aos padres que seria melhor eles cuidarem do espírito do que das questões terrenas. A estratégia deu certo dentro da igreja -as comunidades de base praticamente sumiram-, mas no terreno familiar a situação só piorou desde 80. Nesse ano, 2,5% da população acima dos 15 anos havia se separado, desquitado ou divorciado. No censo de 91, esse percentual saltou para 6,6%. Sexo sim, greve não A questão que mais afligia era a inflação -113%, a mais alta da história até então. Bastavam três semanas para se chegar ao índice de 97 (4,3% nos últimos 12 meses). Embalados pelo índice cavalar, os metalúrgicos do ABC fizeram a mais longa greve desde 1964. Lula acabou destituído da presidência do sindicato de São Bernardo e foi preso. Já se ouvia naquela época que estava se maculando por trocar o macacão de metalúrgico pelo traje de militante do PT. O Congresso não tinha moral muito alta, mas alguns avanços políticos passaram por lá -e não era uma emenda de reeleição feita sob medida. Foi aprovada a volta das eleições diretas para governador, que seriam realizadas em 82. O presidente João Figueiredo, que aparecia de sunga fazendo ginástica, prometeu que quem ganhasse a eleição seria empossado. Hoje, parece óbvio que o vencedor assuma. Na época, não era. Tinha de haver o endosso dos militares. A sunga e a ginástica não eram alienígenas -eram talvez o que mais sintonizava Figueiredo com o espírito das ruas. Começou a se difundir então o culto do corpo, da ginástica. Como tudo era política para a esquerda, chamou-se isso de "política do corpo". Não por acaso, um dos maiores sucessos de 80 foi o livro "O Crepúsculo do Macho", do deputado Fernando Gabeira (PV). Do macho não é certo que houve um crepúsculo em 80, mas do sonho hippie sim. A era do paz e amor acabou em dezembro, com um tiro à queima-roupa em John Lennon. Texto Anterior: Saiba quem é Carl Bernstein Próximo Texto: Visionário, João Paulo 2º será visto como gigante do século 20 Índice |
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