São Paulo, domingo, 5 de outubro de 1997
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Leia o discurso do papa no encontro do Maracanã

Amadas famílias que vos reunis aqui no Rio de Janeiro, vindas de todos os povos e nações, bem-vindos a todos!
Amadas famílias de todo o mundo, que através do rádio e da televisão seguis este encontro, saúdo todas com especial carinho e todas vos abençôo. Muito obrigado.
Obrigado por esta calorosa manifestação de fé e de alegria que nos quisestes dar hoje para ajudar-nos a refletir que a família é realmente dom e compromisso pela pessoa, pela vida e esperança da humanidade. Também a arte foi colocada como instrumento a serviço da mensagem do amor comprometido e da vida, maravilhoso dom de Deus. Fizeste-nos participar daquilo que o Senhor, autor do matrimônio e senhor da vida, realizou em vós. Também testemunhastes o que conseguistes com sua graça. Não é verdade que o Senhor, nas mais distintas situações, inclusive no meio das tribulações e das dificuldades, sempre vos acompanhou? Sim! O senhor da aliança, que veio à vossa procura e vos encontrou, sempre vos acompanhou no vosso caminho. Deus Nosso Senhor, autor do matrimônio, que vos uniu, derramou abundantemente, para vossa felicidade, a riqueza do seu amor.
Gostaria de recolher aqui, em breve síntese, aquilo que haveis refletido, após uma intensa preparação catequética conforme o magistério da igreja, nas assembléias familiares, nas dioceses, paróquias, movimentos e associações. Foi, sem dúvida uma formosa preparação, cujos frutos trazeis hoje aqui para proveito e alegria de todos.
A família é patrimônio da humanidade, porque é mediante a família que, conforme o desígnio de Deus, deve se prolongar a presença do homem sobre a terra. Nas famílias cristãs, fundadas no sacramento do matrimônio, a fé nos vislumbra maravilhosamente o rosto de Cristo, esplendor da verdade, que enche de luz e de alegria os lares que inspiram a sua vida no evangelho.
Hoje, infelizmente, vai se difundindo pelo mundo uma mensagem enganosa de felicidade impossível e inconsistente, que só arrasta consigo desolação e amargura. A felicidade não se consegue pela via da liberdade sem a verdade, porque esta é a vida do egoísmo irresponsável, que divide e corrói a família e sociedade.
Não é verdade que os esposos, como se fossem escravos condenados à sua própria fragilidade, não possam permanecer fiéis à sua entrega total até a morte! O Senhor, que vos chama a viver na unidade de uma só carne, unidade de corpo e alma, unidade da vida toda, dá-vos força para uma fidelidade que enobrece e faz com que a vossa união não corra o risco da traição que rouba a dignidade e a felicidade e introduz, no seio do lar, divisão e amargura, cujas maiores vítimas são os filhos. A melhor defesa do lar está na fidelidade que é uma dádiva do Deus fiel e misericordioso, num amor por Ele redimido.
Passamos ao espanhol. Poderia ser brasileiro.
Quisera, uma vez mais, lançar aqui um tremor de esperanças e decisão. Famílias da América Latina e do mundo inteiro não vos deixeis seduzir por essa mensagem de mentiras que degradam os povos, atenta contra as melhores tradições e valores, e faz cair sobre os filhos um acúmulo de sofrimentos e de infelicidade. A causa da família dignifica o mundo e o libera na autêntica verdade do ser humano, do mistério da vida, onde Deus fez o homem e a mulher imagens de Deus. Temos que lutar por essa causa para assegurar vossa felicidade e o futuro da família humana.
Desde aqui, nesta tarde, em que famílias de todas as partes do mundo apertam-se as mãos, como uma imensa coroa de amor e de fidelidade, lanço este convite a quantos trabalham na edificação de uma nova sociedade para que reine a civilização do amor: defender, como dom precioso e insubstituível -dom precioso e insubstituível- estas famílias. Defendê-las, protegê-las com leis justas que combatam a miséria e o açoite do desemprego e que, cada vez, permitam aos padres cumprir sua missão. Como podem os jovens criar uma família se não têm com que mantê-las? A miséria destrói a família e impede o acesso à cultura e à educação básica, corrompe os costumes, dana em sua própria raiz a saúde dos jovens e dos adultos. Ajudá-las! E nisso se joga nosso futuro.
Existem na história moderna numerosos fenômenos sociais que nos convidam a fazer um exame de consciência sobre a família. Em muitos casos é preciso reconhecer com vergonha que são produzidos erros e desvarios. Como não denunciar aqueles comportamentos, motivados pelo desenfreio e pela irresponsabilidade, que levam a tratar os seres humanos como simples coisas ou instrumentos de prazer passageiro e vazio? Como não reagir ante a falta de respeito, à pornografia e toda classe de exploração, das que em muitos casos as crianças pagam o preço maior?
Voltamos em português. Quer dizer, brasileiro.
As sociedades que se despreocupam da infância são desumanas e irresponsáveis. Os lares que não educam integralmente seus filhos, que os abandonam, cometem uma gravíssima injustiça de que deverão prestar contas diante da tribuna de Deus. Sei que não poucas famílias são, por vezes, vítimas de situações maiores do que elas próprias. Em tais casos, quero fazer um apelo à solidariedade de todos, porque as crianças acabam sofrendo todas as formas de pobreza. A da miséria econômica e, sobretudo, da miséria moral que produz o fenômeno a que aludi na Carta às Famílias: "há muitos órfãos de pais vivos".
Como foi lembrado pelo cardeal-presidente do Pontifício Conselho para a Família, para servir de símbolo de uma caridade efetiva e fruto do 1º Encontro Mundial com as Famílias em Roma, foi concluída uma cidade das crianças em Ruanda, tendo sido construída com a ajuda de muitas pessoas e algumas generosas instituições; e começam a construir outra em Salvador da Bahia, naqueles mesmos Alagados que visitei e aos quais deixei um apelo à esperança e à promoção humana, durante a minha primeira viagem apostólica ao Brasil em junho de 1980.
Esse esforço era em si uma mensagem, um convite que dirijo ao mundo, através de vós, famílias de todo o mundo, acolhei vossos filhos com um amor responsável. Defendei-os como um dom de Deus desde o momento em que são concebidos, em que a vida humana surge no ventre das mães; que o crime abominável do aborto, vergonha para a humanidade, não condene os concebidos às mais injustas das execuções: a dos seres humanos mais inocentes! Esta proclamação sobre o inestimável valor da vida desde o ventre materno e contra qualquer manobra de supressão da vida, quantas vezes ouvimos dos lábios da Madre Teresa de Calcutá!? Ouvimo-la, todos, durante a ato testemunhal do 1º encontro em Roma. Aqueles lábios estão agora mudos pela morte, mas a mensagem da Madre Teresa em favor da vida continua vibrante e convincente como nunca.
Neste estádio, convertido agora pelo jogo de luzes como vitrais de uma imensa catedral, a celebração de hoje quer chamar a todos a um grande e nobre compromisso sobre o qual invocamos a ajuda de Deus onipotente: pelas famílias, para que, unidas no amor de Cristo, organizadas pastoralmente, presentes ativamente na sociedade, comprometidas na sua missão de humanização, de libertação, de construção de um mundo segundo o coração de Cristo, sejam realmente a esperança da humanidade!
Pelos filhos, para que cresçam como Jesus no lar de Nazaré. No seio das mães dorme a semente da nova humanidade. No rosto das crianças brilha o futuro. O futuro milênio, o porvir que está nas mãos de Deus.
Pelos jovens, para que se empenhem com grande entusiasmo a preparar sua família de amanhã, educando-se a si mesmos para o amor verdadeiro que é a abertura ao outro, capacidade de escuta de resposta, compromisso de doação generosa, inclusive a custo de sacrifício pessoal e disponibilidade à compreensão recíproca e ao perdão.
Ontem, falando no centro, agradeci ao Rio de Janeiro por uma grande inspiração... Aqui uma arquitetura divina e uma arquitetura humana se compõem maravilhosamente. Inspiração para compor maravilhosamente as famílias, nos matrimônios. Isso é divino, isso é humano. Essas duas arquiteturas, divina e humana, compor -e como compor? Parece uma palavra justa e necessária: amor e responsabilidade. Eu cheguei a essa conclusão já 55 anos atrás: amor e responsabilidade. Parece que é o verdadeiro princípio para compor bem os dois: a arquitetura divina e a arquitetura humana, do matrimônio e da família. Portanto, famílias de todo o mundo, quero concluir renovando um apelo: sede testemunhos vivos de Cristo, que é o caminho, a verdade e a vida. Deixai que entre no próprio coração os frutos do Congresso Teológico Pastoral recém-concluído. E que a graça e a paz da parte de Deus, nosso Pai, e da parte do Senhor Jesus Cristo estejam convosco.
Maria rainha da família, sede da sabedoria, serva do senhor rogai por nós. Rogai pelos jovens. Rogai pelas famílias. Amém.

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