São Paulo, domingo, 5 de outubro de 1997
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Fumaça prende crianças em casa

DO ENVIADO ESPECIAL

Nas últimas semanas, a população de Manaus teve de enfrentar, pela primeira vez em pelo menos 30 anos, nuvens de fumaça, provocadas por queimadas.
Os focos de incêndio, antes restritos à Floresta Amazônica, aproximaram-se da capital amazonense e, associados a uma inversão térmica, provocaram as nuvens de fumaça, que ainda pairam sobre a cidade, em um raio de 80 km a partir do centro de Manaus.
Sofrendo de tosse, rouquidão ou complicações respiratórias -problemas que atingiram mais as crianças-, a população improvisou para enfrentar a situação.
Cláudia Santana da Silva, 20, por exemplo, passou a acordar às 6h30 e não mais às 9h, como de costume, porque não suportava ficar na cama respirando o ar esfumaçado.
Para prevenir o filho de 10 meses de doenças respiratórias, ela adotou método próprio de desintoxicação: triplicou a quantidade de sucos naturais e passou a dar cinco banhos por dia na criança.
Outras pessoas, como Sandra Regina de Souza, 23, optaram por restrições mais drásticas.
Instituíram toque de recolher às 17h. Depois desse horário, os filhos não podem sair para a rua. Para quem mora em bairros pobres ao lado dos focos de incêndio, como ao redor da reserva ecológica Ducke, ao norte de Manaus, o jeito foi se enclausurar em casa.
O comerciante João Evangelista do Rosário, 41, recolhe cedo os filhos nos dias em que a fumaça estava mais densa. Para driblar o calor de 39°C, a família de Rosário, fechada em um barraco de 30 m2, conta com um ventilador.
As nuvens de fumaça também prejudicaram a aviação. Aeroportos foram fechados e grande parte dos pousos, principalmente na parte da manhã, ainda tem de ser feita por meio de instrumentos -a visibilidade é insuficiente.
A névoa branca resultante das queimadas atingiu diretamente os estudantes, que tiveram de faltar às aulas, como Dayana Bindá, 14, que foi apenas duas vezes à escola na semana passada.
As queimadas provocaram ainda uma megaoperação do Ibama do Amazonas (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) com outros 15 órgãos municipais, estaduais e federais. O objetivo, localizar e punir os responsáveis pelos incêndios criminosos.
Com estrutura insuficiente, acabaram contando com a divulgação pela mídia como método preventivo de novos focos intencionais.
O combate não poupou ninguém. Pequenos produtores e grandes fazendeiros, que queimam para plantar, especuladores imobiliários, que ateiam fogo para construir, e a população em geral, acostumada a queimar o lixo doméstico, foram apontados como incendiários em potencial.

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