São Paulo, domingo, 5 de outubro de 1997
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Deformação no espelho

OSIRIS LOPES FILHO

A tecnocracia dominante em Brasília é obediente. Optou, ao apresentar a nova proposta de reforma tributária, por seguir o modelo de comportamento do presidente FHC: o de assumir na prática a teoria da dependência.
A última proposta apresentada é uma adoção acrítica de modelo de instituições internacionais, ignorando-se a nossa história tributária e a estrutura federativa do país.
O hábito do cachimbo faz a boca torta, diz o ditado popular. De tanto centralizar a política e as finanças do Brasil, os aprendizes de feiticeiro de Brasília pensaram, em face da debilidade financeira de Estados e municípios, em juntar a fome com a vontade de comer.
Ao mesmo tempo atendem aos seus tutores externos e abocanham o quinhão do leão: a tributação sobre vendas de mercadorias e serviços, com o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), da União.
Prevê-se a atribuição aos Estados e ao Distrito Federal de uma "excise tax" (essa a denominação na proposta). Esse imposto sobre consumos específicos incidiria sobre o tabaco e seus derivados, bebidas, combustíveis, eletricidade e comunicações.
A sua atribuição aos Estados e ao Distrito Federal pode ser atraente na aparência. Mas se um Estado adotar alíquotas diferentes dos demais, isto é, elevadas em relação aos outros, ou se existir variedade de alíquotas nos Estados, ter-se-á guerra fiscal, fraudes e contrabando entre as unidades da Federação e, finalmente, em relação aos insumos estratégicos (combustíveis e energia), repercussões diferenciadas no custo de produção industrial, dentro do país.
A evolução da natureza das coisas indica o contrário do proposto. Não tem mais sentido a existência do IPI. Deve-se evoluir para um imposto seletivo federal, incidente sobre tabaco e seus derivados, bebidas e alguns outros bens, como automóveis, perfumaria, aparelhos eletroeletrônicos.
Assim, possibilitar-se-ia aos Estados e ao Distrito Federal a incidência ampla do ICMS sobre as mercadorias e serviços de comunicações e de transporte intermunicipal e interestadual (na Federação o imposto geral sobre as vendas de mercadorias deve ser da competência estadual).
Já é hora de frear a desvairada e vaidosa ambição de poder federal. Está chegando a vez de o povo ser ouvido. Antes de se assaltar o seu bolso, mais uma vez, é bom lembrar que as eleições vêm aí. Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 58, advogado, é professor de Direito Tributário da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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