São Paulo, domingo, 5 de outubro de 1997
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O "milagre" versus os anos 90

LUÍS NASSIF

O penúltimo grande impulso modernizador da economia brasileira foi nos anos 70 -o chamado período do "milagre brasileiro". O último ciclo teve início em 1990, e está em pleno andamento.
Qual processo tem condições de ser mais consistente e irreversível?
Nos anos 80 persistiu a nostalgia em relação à pujança da década anterior, e uma certa tendência -no meio empresarial- em colocar a democracia em xeque como ambiente ideal de crescimento econômico.
No entanto, à medida que o tempo vai passando, ficam cada vez mais nítidas as vantagens do desenvolvimento em ambiente democrático. Embora mais lento, o processo é imensamente mais rico e orgânico do que os modelos autocráticos que sempre foram adotados na economia brasileira.
Os anos do "milagre" foram precedidos por uma reforma institucional ampla realizada no governo Castello Branco. De certo modo, o Estado daqueles anos estava mais preparado para a modernização do que o atual.
Os anos 50 haviam sido pródigos em discussões e diagnósticos sobre a economia brasileira, e havia um contingente apreciável de funcionários públicos preparados para colocar os novos conceitos em prática. Além disso, a ditadura permitia grande agilidade na tomada de decisões.
Parado no ar
No plano privado, a partir dos anos 70 o ambiente ditatorial acabou dando impulso à modernização de grupos nacionais, por meio da política de fusões bancárias, provocada pela estabilização monetária, e dos esforços de exportação, que ajudaram a criar algumas modernas corporações -ainda que familiares.
Mas, no momento seguinte, o ambiente político fechado provocou a senilidade precoce do modelo. Sem o debate democrático, o salto de modernização ficou parado no ar. Concebido para se transformar no principal instrumento de capitalização das empresas brasileiras, em pouco tempo o mercado de capitais foi sufocado.
A energia empresarial dos novos grupos passou a ser canalizada especificamente para a administração de favores políticos. Dessa aliança entre tecnocracia civil e militar, grupos privados nacionais e multinacionais instaladas no país resultou o fechamento gradativo da economia, com sua consequente perda de dinamismo.
Novo modelo
A partir de 1990, o modelo varguista, exaurido, passa a ser desmontado pelas políticas públicas implementadas pelo novo governo. Agora, chega-se ao período de reformas institucionais no Estado e de mudança de valores no país.
No campo das reformas, o país carece fundamentalmente de diagnósticos. Os tecnocratas e os intelectuais orgânicos dos anos 50 tinham uma concepção de país muito mais clara do que a geração dos anos 80 e 90.
É só conferir a última proposta de reforma fiscal apresentada pelo secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Pedro Parente. É tão simples, e tão lógica, que parece inconcebível que se tenha levado 15 anos para que a inteligência brasileira -como um todo- tivesse permitido seu amadurecimento.
Além disso, sem idéias fortes, acaba-se esbarrando nas votações do Congresso -onde o exercício legítimo dos parlamentares em defender interesses de grupos e de regiões dificulta os consensos.
Em contrapartida, são irreversíveis as mudanças de valores que permeiam a nova federação e os novos segmentos da sociedade.
Mais do que em qualquer outro momento da história, os valores das modernas democracias começam a ser assimilados de maneira irreversível por segmentos cada vez mais amplos da sociedade.
A condenação de toda forma de paternalismo, o primado da gerência e da busca da eficiência sobre as concepções teóricas vazias, o crescimento do mercado de capitais e de novas formas de reorganização da poupança, a busca de soluções municipais, o início (ainda que incipiente) de novas formas de organização das pequenas e microempresas e a redefinição do papel institucional do governo são novos conceitos de política industrial.
Em suma, ainda há um largo caminho a se percorrer até o desenvolvimento. Mas, para quem passou por todas as decepções dos planos econômicos de 1979 a 1989, há a certeza de que, em qualquer processo de desenvolvimento, o passo mais difícil e fundamental é a mudança de cabeça. E esse "aggiornamento" já foi conquistado.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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