São Paulo, domingo, 5 de outubro de 1997
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Inconformistas e rebeldes por todo o planeta

7 - A figura 7 é constituída pelo desenho de um bolso.
"Para começar, peço-lhe que não confunda a Resistência com a oposição política. A oposição não se opõe ao poder, e a sua forma mais perfeita é um partido de oposição. Ao contrário, a Resistência não pode, por definição, ser um partido: ela não foi feita para governar, mas... para resistir" (Tomás Segovia, "Alegatorio", México, 1996).
A aparente infalibilidade da mundialização choca-se com a obstinada desobediência da realidade. Enquanto o neoliberalismo insiste em sua guerra, grupos de inconformistas e núcleos de rebeldes formam-se por todo o planeta. O império dos financistas de bolsos cheios enfrenta a rebelião dos bolsos da resistência. Sim, bolsos. De todos tamanhos, de diversas cores, de formas variadas. O seu único ponto em comum: uma vontade de resistência à "nova ordem mundial" e ao crime contra a humanidade representado por essa Quarta Guerra.
O neoliberalismo tenta submeter milhões de seres humanos e quer desfazer-se de todos os que estariam "em demasia". Mas estes "descartáveis" se revoltam. Mulheres, crianças, idosos, jovens, índios, ecologistas, homossexuais, lésbicas, soropositivos, trabalhadores e todos os que perturbam a nova ordem, que se organizam e que lutam. Os excluídos da "modernidade" tecem as resistências.
No México, por exemplo, em nome do programa de desenvolvimento integral do istmo de Tehuantepec, as autoridades querem construir uma grande zona industrial. Esta zona incluirá usinas e uma refinaria para elaborar produtos petroquímicos. Vias de trânsito interoceânico serão construídas: estradas, um canal e uma ferrovia transístmica. Dois milhões de camponeses seriam operários dessas usinas. Do mesmo modo, no sudeste do México, discute-se um projeto de desenvolvimento regional duradouro, com o objetivo de pôr à disposição do capital as terras indígenas, ricas em dignidade e história, mas também em petróleo e urânio.
Tais projetos acabariam por fragmentar o México, ao separar o sudeste do resto do país. Eles se inscrevem, de fato, numa estratégia de contra-insurreição, como uma tenaz buscando deter a rebelião antineoliberal nascida em 1994: no centro estão os índios rebeldes da armada zapatista de liberação nacional.
Sobre a questão dos índios rebeldes, diga-se, entre parênteses: os zapatistas estimam que, no México, a reconquista e a defesa da soberania nacional fazem parte da revolução antiliberal. Paradoxalmente, acusa-se o EZLN de querer a fragmentação do país.
A realidade é que os únicos a evocar o separatismo são os empresários do Estado de Tabasco, rico em petróleo, e os deputados federais originários de Chiapas e membros do Partido Revolucionário Institucional (PRI). Os zapatistas consideram que a defesa do Estado nacional é necessária diante da mundialização e que as tentativas de esfacelar o México vêm do grupo que governa, e não das justas demandas de autonomia dos povos indígenas.
O EZLN e o conjunto do movimento indígena não querem que os povos indígenas se separem do México: eles pretendem ser reconhecidos como parte integrante do país, mas com as suas especificidades. Eles aspiram a um México que rime com democracia, liberdade e justiça. Se o EZLN defende a soberania nacional, o Exército federal mexicano, por sua vez, protege um governo que destruiu as suas bases materiais e ofereceu o país ao grande capital estrangeiro e aos narcotraficantes.
Não é somente nas montanhas do sudeste mexicano que se resiste ao neoliberalismo. Nas outras regiões do México, na América Latina, nos EUA e no Canadá, na Europa do tratado de Maastricht, na África, na Ásia e na Oceania, os bolsos de resistência se multiplicam. Cada um tem a sua própria história, suas peculiaridades, suas semelhanças, suas reivindicações, suas lutas, seus sucessos. Se a humanidade quer sobreviver e se aperfeiçoar, sua única esperança reside nestes bolsos que formam os excluídos, os abandonados à própria sorte, os "descartáveis".
Este é um exemplo de bolso de resistência, mas não deposito nele muita importância. Os exemplos são tão numerosos quanto as resistências e tão diversos quanto os mundos deste mundo. Desenhe, portanto, o exemplo que lhe agrada. Nesse assunto de bolso, como no de resistências, a diversidade é uma riqueza.
Depois de ter desenhado, colorido e recortado estas sete peças, você perceberá que é impossível encaixá-las. Eis aí o problema: a mundialização quis encaixar peças incongruentes. Por essa e por outras razões, que não posso desenvolver nesse texto, é necessário construir um mundo novo. Um mundo que possa conter muitos mundos, que possa conter todos os mundos.
Posfácio que narra sonhos aninhados no amor
O mar repousa a meu lado. Há muito ele partilha angústias, incertezas e inúmeros sonhos, mas, agora, ele dorme comigo na noite cálida da floresta. Eu o vejo ondular, como o trigo em meus sonhos, e me admiro ao encontrá-lo novamente intocado -tépido, fresco, a meu lado. O ar sufocante tira-me da cama e toma-me a mão e a pluma para trazer de volta o velho Antoine, como se retornasse nos anos...
Pedi ao velho Antoine que me acompanhasse numa exploração a jusante. Levamos pouca comida. Durante horas, seguimos a trilha caprichosa, e a fome e o calor nos subjuga. Passamos a tarde no encalço de uma alcatéia de javalis. Já é quase noite quando os alcançamos, mas um enorme porco selvagem se aparta do grupo e nos ataca. Lanço mão de todo o meu saber militar: deponho a arma e subo na árvore mais próxima. O velho Antoine permanece impassível diante do ataque e, em vez de correr, posta-se atrás de uma touceira. O gigantesco javali, reunindo todas as suas forças, investe contra ele, e se enreda nos galhos e nos espinhos. Antes que consiga libertar-se, o velho Antoine ergue sua velha carabina e, com um tiro, propicia a refeição da noite.
No lusco-fusco, depois de limpar meu moderno fuzil automático (M-16, calibre 5,56 mm, com seletor de cadência e um alcance real de 460 metros, uma mira telescópica e um pente de 90 balas), escrevo meu diário de campanha. Omito o que ocorrera, e observo apenas: "Encontramos javalis e A. matou um deles. Altitude, 350 metros. Não choveu".
Enquanto esperamos a carne grelhar, conto ao velho Antoine que minha parte servirá para as festas preparadas no acampamento. "Festas?", pergunta ele, enquanto atiça o fogo. "Sim", eu respondo. "Não importa o mês, sempre há algo para festejar." E desfio uma brilhante dissertação sobre o calendário histórico e as celebrações zapatistas. O velho Antoine escuta-me em silêncio; imaginando que o assunto não lhe interessa, preparo-me para dormir.
Imerso em meus sonhos, vejo o velho Antoine pegar o meu caderno e escrever alguma coisa. No dia seguinte, após o desjejum, repartimos a carne, e cada um segue para seu lado. Uma vez no acampamento, faço o meu relato e mostro o caderno para que saibam o que ocorrera. "Esta não é sua letra", dizem-me com o caderno aberto na última folha. Ali, depois de minhas notas, o velho Antoine escreveu em letras garrafais: "Se não pode ter a razão e a força ao mesmo tempo, escolha sempre a razão, e abandone a força ao inimigo. Em inúmeras batalhas, a força permite obter a vitória, mas uma guerra só é vencida graças à razão. O poderoso nunca poderá obter razão de sua força, ao passo que nós sempre poderemos obter força de nossa razão".
Pouco abaixo, em letras miúdas: "Boas festas".
Evidentemente, não tinha mais fome. Como de hábito, as festas zapatistas foram, de fato, boas.

Notas:
1. Entrevista a Martha Garcia, "La Jornada", 28/5/1997;
2. Ochoa Chi e Juanita del Pilar, "Mercado Mundial de Fuerza de Trabajo en el Capitalismo Contemporáneo", Unam, Economia, México, 1997;
3. "La Globalisation du Crime", Nações Unidas, Nova York, 1995.

Tradução de José Marcos Macedo.

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