São Paulo, domingo, 5 de outubro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O papa e a humanização dos recursos

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Os últimos dias foram marcados por pesquisas de opinião pública que procuraram descobrir a quantas anda a religiosidade do brasileiro. Se, de um lado, a Igreja Católica perdeu fiéis, de outro, a crença em Deus e na vida post-mortem mantém-se inabalada para 72% dos entrevistados pela Folha.
Estamos longe de uma civilização materialista e que renega a existência de Deus. A religiosidade do brasileiro pode ter assumido novas formas, mas continua viva. O papa João Paulo 2º sabe disso e não seria surpresa se ele viesse ao Brasil com o propósito de recuperar adesões à sua igreja.
Mas o santo padre revelou que essa não foi a sua missão principal. Ao contrário, ele veio para demandar um tratamento mais humano aos excluídos.
O significado da visita foi muito além do ritual e da devoção que normalmente tomam conta desse tipo de evento. O Brasil inteiro viu na TV um homem alquebrado e com a saúde aparentemente comprometida, mas, mesmo assim, trabalhando 12 horas por dia e fazendo um sacrifício gigantesco para lembrar que os seres humanos têm de se ajudar uns aos outros.
Nos seus 77 anos dedicados aos que sofrem, João Paulo 2º não precisa de promoção. E muito menos de viagens internacionais e mordomias terrenas. Ele aqui veio por saber que o Brasil é um país marcado por desigualdades crescentes, a despeito das belas promessas de justiça social.
É claro que uma nação justa depende de uma economia sadia. Mas o papa nos fez lembrar que o ser humano deve ser a razão principal da nossa existência. As crianças, os adultos e os idosos precisam, antes de tudo, gozar de boa saúde, ter educação e contar com um repouso decente.
Os avanços nessas três áreas têm ficado muito aquém dos padrões mínimos de uma sociedade civilizada. A educação tem resultados mais promissores, mas ainda acanhados em vista do atraso acumulado e das necessidades dos novos tempos.
A saúde e a previdência continuam calamitosas. É desumano negar o tratamento aos doentes. E mais desumano, deixar os idosos morrerem à míngua depois de se aposentar.
Nas duas áreas há muita injustiça. A irracionalidade no uso das verbas públicas é mais grave do que a sua escassez. Na saúde, criam-se impostos, aumenta-se a arrecadação e mantém-se o pagamento vergonhoso de uma diária hospitalar no valor de R$ 4,00. Na previdência, fala-se tanto em reforma e se preserva uma minoria ganhando benefícios polpudos na cara de uma esmagadora maioria que não consegue sobreviver.
Acertar o social é isso. É começar pelas coisas básicas. É demonstrar capacidade de agir. É, sobretudo, usar os recursos de forma humana. Esse foi o apelo do santo padre aos governantes e a todos os cidadãos que, de uma forma ou de outra, atingiram um nível de vida digno. Mais importante do que a sua mensagem de fé foi o seu pedido de amor para com os que sofrem. Oxalá a sua pregação se traduza em lições de ordem prática. Se cada um de nós fizer um pouco pelo social, o país como um todo será mais humano -e também mais feliz.

Texto Anterior: O que fica
Próximo Texto: Salvem o Judiciário
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.