São Paulo, segunda-feira, 6 de outubro de 1997
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Telerotismo

JOSIAS DE SOUZA

São Paulo - Sábado, noite clara em Greenville. Scarlet deixa a igreja. Súbito, enxerga a lua farta que pende do céu. Torso em brasas, atraca-se a uma árvore. Roça o ventre, uiva, alisa os seios, rodopia em êxtase.
Corta para o interior da prefeitura. O prefeito Ipiranga, expulso de casa, pendura-se à janela e avista a mesma lua. Sacode o corpo, ergue os braços. Quer "nhanhar" com Scarlet, como diz. Lânguido, deixa-se desmoronar sobre o sofá.
Cenas assim são corriqueiras em "A Indomada", novela movida a erotismo. Há sexo em tudo: nas prostitutas da Casa de Campo, no lesbianismo de Vieira, no adultério de Altiva, nos ataques do Cadeirudo às mulheres da cidade.
A TV brasileira, permissiva, injeta sexo na sala mesmo nos horários em que o sofá ainda está apinhado de crianças. Há mal-estar entre os pais.
Até lábios liberais como os de Marta Suplicy protestam. "A sociedade civil tem que (...) controlar a televisão", disse, em entrevista a Cosete Alves. "O que é ruim pode ficar na televisão, o que é nocivo tem que sair."
Marta acha que a TV está banalizando o sexo, a morte e a miséria. "Esse programa do Gugu Liberato", exemplificou, "um menino de 4 anos dançando a dança do Tchan, isso é nocivo, não pode ficar".
Marta comete o erro da simplificação. Não é só a TV que está fora de controle. Os pais também estão. A TV, simples eletrodoméstico, virou atração principal da casa. Em muitos casos, funciona como babá eletrônica.
Garotinhas intimam os pais a comprar roupinhas da Xuxa. Menininhos imitam o linguajar idiota de Tiririca. As danças da garrafa e da bundinha viram "hits" em festas infantis.
Mais nocivo do que a aventura de Scarlet com a árvore, mais prejudicial do que a dança do Tchan no Gugu, é a incapacidade dos pais de ensinar aos filhos que existem coisas mais interessantes no mundo que uma tela de TV.

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