São Paulo, quinta-feira, 9 de outubro de 1997
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Alvitre

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - D. Ruth disse que não disse o que teria dito a respeito da influência do papa junto ao nosso Congresso. Por osmose ou fidelidade conjugal, ela repete o marido mudando de opinião de acordo com o auditório, "the next is best". Tendo dito ou não, sua declaração faz sentido: o papa realmente não tem influência sobre o Congresso.
Quem dispõe desse tipo de influência é exatamente seu marido, que ainda não chegou a ser eleito papa, mas se deixarem ele chega lá. Levando a mala preta cheia de doações abnegadas, ele pode conseguir tudo pela via legal -tal como Hitler, que usou método diverso, mas também por via legal conseguiu seus objetivos de modernizar a Alemanha.
(Por falar em doações abnegadas, leio nas folhas que o avião do ex-ministro Andrade Vieira está apodrecendo no solo, cravado por hipotecas. Esse mesmo jatinho transportou o candidato FHC na mais dispendiosa campanha eleitoral de nossa história.)
Voltando a d. Ruth e ao Congresso. Não tenho autoridade (nem a desejo) para aconselhar o papa. É dele a função de dar conselhos, não a minha, que é justamente a de não aceitar conselhos. Mas no clima de boa vontade criado com a sua visita ao Rio de Janeiro, falando de carioca para o carioca João Paulo, ouso aquilo que nossos avós xingavam de "alvitre".
O alvitre é simples: se o papa tem mesmo muito interesse em derrubar a legalização do aborto em casos específicos, não será com homílias que convencerá os congressistas que ainda não firmaram posição de consciência sobre o assunto. D. Ruth foi útil ao constatar que sua influência é nula junto ao nosso Congresso.
Parece que Sérgio Motta é chegado às coisas religiosas. Recentemente andou pelos santuários do mundo acendendo velas -coisa que também faço, quando tenho oportunidade. Para obter a reeleição, o câmbio era de US$ 200 mil. Para abortar o aborto, deve ser menos.

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