São Paulo, sexta-feira, 10 de outubro de 1997
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Rennó, Magalhães e a Odebrecht

CELSO PINTO

Horas depois de a Odebrecht e a Petrobrás terem assinado sua parceria para o Pólo Petroquímico de Paulínea, no dia 12 de setembro, o coordenador das ações do governo federal no Rio, Raphael de Almeida Magalhães, mandou um fax ao presidente Fernando Henrique Cardoso.
Nesse fax, segundo Magalhães, ele sugeriu que o presidente suspendesse a assinatura do contrato até segunda ordem, porque o contrato parecia extrapolar nas vantagens concedidas à Odebrecht, o que o tornava "difícil de ser defendido do ponto de vista econômico, político e da posição da Petrobrás". Aí começou a polêmica, ainda inacabada, sobre o contrato.
E o que motivou Magalhães? Ele diz que apenas o temor de que as vantagens dadas à Odebrecht acabassem prejudicando o futuro do Pólo Gás-Químico do Rio. Seus adversários, contudo, sugerem que sua atitude teve a ver com o fato de que Magalhães tinha um contrato de consultoria milionário com a Petroquímica União (PQU).
A principal acionista da PQU é a Unipar, com 36,9% do capital, uma das principais prejudicadas com as supostas vantagens obtidas pela Odebrecht em Paulínea. Magalhães, portanto, estaria, veladamente, pensando mais no prejuízo de algumas empresas do que no do Rio.
O contrato com a PQU existe. Nele está escrito que Magalhães se propõe a "obter a modificação, por via administrativa ou judicial, da atual política de fixação do preço da nafta fornecida pela Petrobrás às centrais petroquímicas do país, que prejudica, claramente, os interesses da PQU". Para isso, Magalhães recebeu R$ 60 mil em seis prestações mensais de R$ 10 mil, a título de pró-labore, e, caso conseguisse mudar os preços da nafta, embolsaria mais R$ 1 milhão.
O contrato, assinado no dia 20 de fevereiro, valia por seis meses. Podia ser prorrogado, mas, segundo Magalhães, não foi. Portanto, quando foi assinado o contrato de Paulínea, dia 12 de setembro, ele não era mais consultor da PQU.
Ele explica sua consultoria à PQU como um desdobramento do fato de ele ter sido presidente do conselho da empresa do início de 94 até maio de 95, quando aceitou o convite de Fernando Henrique para ser o representante federal no Rio. A nafta, matéria-prima básica na petroquímica, é vendida à PQU com um sobrepreço, cujo objetivo é equalizar seu preço com o preço pago pelos pólos da Bahia e do Rio Grande do Sul.
Em outros termos, o preço adicional pago pela PQU funciona como um subsídio implícito para outras regiões, onerando a empresa. Seu argumento é que, depois da flexibilização do monopólio do petróleo, deveria ser flexibilizada a negociação dos preços com a Petrobrás. É isso que ele tentou fazer.
Ele diz que não foi bem sucedido, portanto não embolsou o R$ 1 milhão. A ilação de que estaria agindo em favor da Unipar quando reclamou do contrato de Paulínea não procede, argumenta, porque a PQU tem vários outros sócios: a própria Petrobrás (via Petroquisa) com 17,5%, a Union Carbide com 13% e a Polibrasil (Suzano e Shell) com 6,8%.
O polêmico artigo 8
Depois que mandou seu fax, Magalhães recebeu uma resposta do presidente: ele podia ficar tranquilo porque o contrato da Petrobrás com a Odebrecht se refere apenas às operações em Paulínea. Foi isso, aliás, que o presidente repetiu à imprensa quando esteve no Chile.
Não é esse, contudo, o entendimento da Petrobrás. O contrato, sem dúvida, se refere apenas a operações na área petroquímica em Paulínea. No entanto, seu famoso artigo 8 diz que "as partes evitarão participar, isoladamente, de novos investimentos ou negócios que sejam conflitantes com os empreendimentos organizados nos termos deste contrato" sem antes manter "negociações de boa-fé com a outra parte visando a evitar conflitos de interesse". Antes de participar em outro projeto, será oferecida à outra parte "oportunidade de participar do projeto nas mesmas condições da ofertante".
O que isso quer dizer? "Que, se a Petrobrás for fazer, por exemplo, um novo projeto de polipropileno em Minas Gerais, terá que falar com seu sócio, a Odebrecht, e oferecer a ela parceria", explica o presidente da Petrobrás, Joel Rennó. A Odebrecht não tem nenhum direito de veto, apenas a oportunidade de entrar em projetos na área petroquímica que possam ser conflitantes com os projetos de Paulínea, nas mesmas condições oferecidas a terceiros. Se não se interessar, a Petrobrás pode se associar com quem quiser.
Rennó diz que esse tipo de cláusula é praxe em contratos desse tipo, também está presente no contrato do Pólo do Rio e é perfeitamente razoável. Magalhães sustenta que o contrato no Rio não tem nada parecido e acha que vai prevalecer o entendimento do presidente, de que a opção preferencial pela Odebrecht só seja aplicável em Paulínea.
Como? "Se o governo fosse mexer no contrato de forma unilateral, a Odebrecht reagiria", argumenta Magalhães. Como a questão foi parar nas mãos do Cade, "provavelmente ele vai indicar as mudanças que vão restringir o alcance do contrato", supõe.
Quem manda em quê
Por trás da controvérsia, está uma questão de substância: quem vai mandar em quê na petroquímica brasileira? Rennó tem uma visão muito clara da questão.
Pouco mais da metade do faturamento petroquímico no Brasil já é de empresas estrangeiras. O faturamento de todas empresas nacionais do setor chega a US$ 11 bilhões. Apenas a Dow Chemical fatura mais do que o dobro. Se o Brasil não der um empurrão para formar um setor petroquímico nacional forte, ele acabará sumindo. A Dow já controla o pólo petroquímico na Argentina e no Chile.
Cabe à Petrobrás, "seguindo a instrução do acionista controlador (o governo federal)", fortalecer a indústria nacional. "Posso ser criticado por ser um nacionalista à antiga, mas vale a pena", define.
A Petrobrás controlará a central de matérias-primas, como fará em Paulínea (70% contra 30% da Odebrecht) e será minoritária nas empresas de segunda geração (70% da Odebrecht e 30% da Petrobrás). Enquanto a futura Agência Nacional de Petróleo não autorizar outras empresas a explorar e refinar petróleo no Brasil, diz Rennó, na prática a Petrobrás continuará com o monopólio da matéria-prima.
E qual o critério para escolher o vencedor, entre as empresas nacionais? Rennó diz que negocia com todas e argumenta que a Odebrecht ganhou em Paulínea porque foi a que se dispôs a investir. A negociação, lembra Rennó, foi longa (11 meses) e de conhecimento público.
A verdade é que, quando o Brasil fez sua primeira investida para montar um setor petroquímico nacional, a partir da criação da Petroquisa, em 67, os sócios nacionais tinham farto financiamento público. O modelo era dos "três terços" (estatal, privada nacional e externa), mas a parte privada era alavancada pelo Estado.
Desta vez, a Petrobrás só aceita parceiros nacionais, mas quer parceiros que entrem com dinheiro. A Odebrecht, que fatura hoje R$ 1,2 bilhão com petroquímica, é a maior no setor e tem demonstrado apetite para investir.
Rennó insiste que Paulínea está aberta a qualquer outro sócio privado nacional. De fato, há notícias de movimentações nesse sentido. A Odebrecht, de todo modo, garantiu o que queria: a liderança.
Se a Petrobrás entende como sua missão, na petroquímica, viabilizar uma indústria nacional, sua estratégia de parceria para outras áreas é inteiramente distinta. Nas áreas de produção, exploração e desenvolvimento de petróleo e gás natural, a Petrobrás, segundo Rennó, está aberta a qualquer parceria, nacional ou estrangeira, e qualquer formato, inclusive onde possa ser minoritária. O critério é escolher a opção economicamente mais interessante para a Petrobrás. Rennó conta com US$ 3,5 bilhões em parcerias nos próximos três anos.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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