São Paulo, sexta-feira, 10 de outubro de 1997 |
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Anjelica Huston é John nos piores momentos
INÁCIO ARAUJO
Ela é uma boa atriz, uma atriz famosa. Na direção, correrá, para começar, o risco de ser comparada ao pai, cineasta célebre (John Huston). E basta meia hora de projeção para a gente ver que Anjelica dirige mais ou menos como o pai, nos piores momentos: limitando-se a ilustrar uma história. E a história, baseada num romance de Dorothy Allison, é muito boa. Diz respeito à infância de Ruth Anne (Jane Malone), mais conhecida como Bone, filha ilegítima de Anney (Jennifer Jason Leigh), que cresce na Carolina do Sul, nos anos 50. Anney se casa. O marido morre. Ela se casa novamente, com Glen (Ron Eldard), filho infeliz e frustrado de uma família abastada. Bone será o bode expiatório de Glen. Anjelica às vezes entrega o jogo no menor dos detalhes. Exemplo: logo que aparece em cena, sabemos que Glen fuma e não bebe. Ora, o sujeito que fuma, no cinema americano atual, é naturalmente credenciado ao papel de vilão (exceto se o filme for independente; aí a coisa tende a se inverter). Como o violento lobby antifumo, nos EUA, é acompanhado de uma discreta postulação de inocência das bebidas alcoólicas, um dos irmãos de Anney logo dá a deixa: "Não confio em gente que não bebe", diz, mais ou menos. Bone, a menina, olha para ele e também não confia. Com isso, pelo menos mais meia hora de filme está fadada à previsibilidade completa, ao enfadonho: Huston vai apenas desenvolver aquilo que já foi enunciado previamente. No terceiro terço, no entanto, é como se Anjelica finalmente se desse conta de que seu filme está sofrendo de abulia profunda e resolvesse lhe injetar ânimo. O conflito entre Ron e Bone finalmente estoura. O homem manifesta sua perversidade em toda a extensão, torna-se a mais palpável expressão do mal e do terror para a menina. Ron passa a evocar um pouco o clássico personagem de Robert Mitchum em "O Mensageiro do Diabo" (1955) -embora suas razões sejam de ordem psicológica, e não metafísica-, e o filme cresce. Mas, mesmo aí, o espectador pode se perguntar se essa subida do filme se deve à direção de Anjelica ou se existe um movimento incontornável da história que a determina. É mais provável que a segunda hipótese seja verdadeira. Em todo caso, nesse momento entramos com vigor na seara do melodrama familiar, em que os problemas de uma mulher são espelhados (e multiplicados) na filha, e "Marcas do Silêncio" cresce sensivelmente. Filme: Marcas do Silêncio Produção: EUA, 1996 Direção: Anjelica Huston Com: Laura Dern, Jennifer Jason Leigh, Jena Malone, Christina Ricci, Dermot Mulroney, Ron Eldard Quando: a partir de hoje, nos cines Olido 3, Bristol e Estação Lumière 1 Texto Anterior: Iugoslávia é terra em transe em "Bela Aldeia" Próximo Texto: Atriz dirigirá Sharon Stone Índice |
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