São Paulo, sexta-feira, 10 de outubro de 1997
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Telepresença supera distância geográfica

PATRICIA DECIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Em julho deste ano, durante a missão Mars Pathfinder, milhões de pessoas na Terra puderam ver imagens do planeta Marte graças ao trabalho de um telerrobô, o veículo Sojourner.
Máquinas dessa espécie, que podem ser controladas a longa distância, estão no cerne da telepresença, "uma categoria do fazer artístico", criada pelo artista eletrônico Eduardo Kac.
Os telerrobôs de Kac abdicam qualquer caráter utilitário e tomam a forma de pássaros e até ornitorrincos. Mas essas máquinas, assim como o Sojourner, têm por objetivo explorar. Só que, em vez das paisagens de Marte, elas passeiam por ambientes planejados, onde há objetos e criaturas posicionados pelo artista. Do outro lado, no controle, monitores, linhas telefônicas e até capacetes de realidade virtual. O resultado são experiências únicas.
Apesar de trabalhar na construção dos robôs, a parte técnica não é o essencial para o artista. "Primeiro vem o conceito, depois a busca de soluções técnicas. No caso da telepresença, meu interesse não está na máquina, mas em criar o deslocamento, deslocar o processo cognitivo para um outro ambiente distante geograficamente", disse.
A telepresença traz consigo pelo menos dois conceitos. O primeiro é a superação das distâncias geográficas. Segundo Kac, o espaço telemático (onde computador e telecomunicação se combinam), como usado hoje, nos dá a impressão de que essa superação já ocorreu.
Mas basta um exemplo para perceber que ela é limitada: duas pessoas, uma no Japão, outra no Brasil, podem estar tendo acesso ao mesmo site, ao mesmo tempo, na Internet, sem sequer desconfiar.
No trabalho de Kac, a percepção ocorre. "Estou atrás dessa consciência. Hoje o espaço virtual é ocupado por texto, som, imagem parada e imagem em movimento. Quis transformá-lo num espaço de ação, onde se cria uma ponte mais tangível ao espaço físico", disse.
É também essa percepção que está por trás do segundo conceito da telepresença: a negociação. Mais de uma pessoa pode controlar o robô ao mesmo tempo, e, por isso, é preciso conquistar esse controle. Por outro lado cada escolha feita determina uma visão da obra e dá ineditismo à experiência.
"Penso a telepresença como uma categoria do fazer artístico, como Hélio Oiticica pensou o parangolé. Outras pessoas podem -e já começaram- fazer trabalhos do tipo. Ela começa a ser absorvida, de modo algum está canonizada."
Antes da Internet
A primeira obra de telepresença criada por Kac foi realizada antes da disseminação da Internet, no final da década de 80. "Ornitorrinco em Copacabana", exibido no "Siggraph Art Show", consistia em um monitor preto-e-branco e um telefone de teclas. Em outro ambiente, a quilômetros dali, estava o robô a ser controlado.
Cada tecla correspondia a um movimento do robô. Ao se movimentar, ele encontrava espelhos, esferas de metal e outros objetos.
"Meu primeiro desafio foi fazer um robô completamente móvel e sem fios. Isso porque a percepção só seria total dessa maneira", afirma o artista. Em seguida, o artista-ornitorrinco foi para a Lua.
Em 93, ele fez o primeiro link transatlântico, entre a Áustria e Chicago. "Atualmente, a imagem mental não depende mais da imagem ótica. Só por isso ela deve ser considerada menos real? Como determinar graus de realidade?"
Um dos últimos trabalhos de telepresença de Kac, "Avis Rara", estará sendo mostrado este mês na 1ª Bienal do Mercosul, que acontece no Rio Grande do Sul.
(PD)

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