São Paulo, sexta-feira, 10 de outubro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Peças do comediógrafo consentem o improviso

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando Dario Fo deu as caras no Brasil, em 89, ele já era idolatrado pelo público e sobretudo pelos atores de teatro.
"Morte Acidental de um Anarquista", que estreou em 82, "Um Orgasmo Adulto Escapa do Zoológico", em 83, e "Brincando em Cima Daquilo", em 85, foram talvez os melhores espetáculos cômicos das carreiras, respectivamente, de Antonio Fagundes, Denise Stoklos e Marília Pêra.
Certamente foram as suas interpretações mais ferinas, engraçadas, as mais "baixas". Mas ainda se confundiam com o besteirol então reinante.
Foi preciso ver o próprio Dario Fo subir ao palco em maio de 89, no teatro Mars, em São Paulo, para reconhecer a genialidade do comediógrafo e comediante italiano. Foi uma "aula-espetáculo".
O teatro estava lotado, e ele convocou o próprio público, parte dele, ao palco. E fez ali, em meio às centenas de, sobretudo, atores, uma série de cenas que improvisou tanto quanto recordou.
Porque as peças de Fo não têm texto rígido. Abrem caminho para o ator improvisar, buscar o humor daquele momento, no que é o melhor e a própria justificativa da existência do teatro.
Fo é um comediógrafo que volta no tempo, para além da commedia dell'arte, o teatro mambembe e muito improvisado da Renascença. Ela está presente, mas ele volta ainda mais, para os mecanismos estéticos medievais.
Assim é que, numa das cenas então "representadas" por ele (não há como falar propriamente em representação, mas em presentação), exemplificou o "grammelot", o jogo onomatopaico com palavras sem sentido, que vem da Idade Média.
No caso, tratava-se de um dos três reis magos esforçando-se para fazer seu camelo andar, para poder chegar ao Cristo recém-nascido. Comunista, Dario Fo abraça e demole a tradição católica do teatro medieval italiano.
Na verdade, não deixa espaço nem para o próprio teatro de ideologia socialista. Desanca Brecht, cujo teatro ele vê como de inspiração burguesa, enquanto o seu seria propriamente popular.
Popular, mas não religioso. Em outra peça sua que causou furor na virada para os anos 90, Fo fazia um papa João Paulo 2º afetado por dores nas costas e obrigado a recorrer a uma bruxa.
Ele influenciou uma geração de atores nesta década. Um deles é Hugo Possolo, dos Parlapatões, de "Sardanapalo", que se reporta seguidamente ao genial italiano, inclusive com cenas, na procura de um teatro popular.
Além das três peças citadas no início, Fo ganhou outras montagens desde 89, todas de resultado cênico mais limitado.
O texto que é considerado a sua obra-prima, "Mistério Bufo", que ele escreveu em 69 e trouxe ao Brasil em 89, para as suas apresentações no teatro Mars, foi remontado no mesmo teatro em 93. Mas exigia um comediante mais experimentado do que o então iniciante Luiz Furlanetto.
Também "Diário de Eva", que Fo escreveu com e para sua mulher, Franca Rame, ganhou uma nova montagem, estranhamente ligeira, em que se destacava o trabalho de Cláudia Mello, comediante talentosa.
Osmar Prado também arriscou-se com o autor dois anos atrás, em "O Fabuloso Obsceno", comédia que merece o título, sobre uma revolta popular que usa, contra os opressores encastelados, uma "arma poderosa": fezes atiradas contra o castelo. Foi talvez a melhor montagem desde "Brincando em Cima Daquilo".
E também a que melhor traduz o espanto causado pela escolha de Dario Fo, o bufão iconoclasta, para o Prêmio Nobel.

Texto Anterior: Premiação de Dario Fo causa surpresa
Próximo Texto: TRECHO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.