São Paulo, sexta-feira, 10 de outubro de 1997
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O jumento e a visita do Clinton

JOSÉ SARNEY

Visita presidencial é um braço eficiente da diplomacia pessoal. No mundo moderno, cada vez mais, ela substitui e dá muito trabalho aos diplomatas. Em geral, é uma sinalização, um gesto de consideração e a explicitação de uma política.
Quando os democratas venceram a eleição americana, eu achei que era uma grande oportunidade para o Brasil encerrar a sua longa lista de pendências, muitas delas na área econômica, com os Estados Unidos. É que os republicanos são muito mais voltados para os problemas internos, para interesses específicos de setores corporativistas, para os resultados econômicos e demonstração de força do que os democratas, cooptadores das áreas liberais, mais voltados para as questões globais e, particularmente, mais sensíveis aos apelos continentais.
Lembremos os presidentes Roosevelt, Monroe, Kennedy, Carter, com políticas, umas retóricas, outras assistencialistas, outras regionalistas, mas sempre voltadas para o sonho que passou de uma América, Novo Mundo. Ledo engano! Os neodemocratas, a administração Clinton, mostraram-se piores que os republicanos. Estes tinham cacoetes pontuais, como informática, patentes, aço, têxteis, sucos, sapatos; aqueles apresentaram tentáculos globais: Alca, Nafta, Cone Sul, armamentos.
A visita de Clinton inscreve-se nesse quadro. O Brasil passou a oferecer resistências racionais, procurando reagir à abertura selvagem do seu mercado, mais do que já abriu. Nessa direção temos, hoje, um instrumento que nos oferece uma perspectiva de espaço econômico próprio, o Mercosul, com a Argentina, Chile (em breve), Paraguai, Uruguai e amanhã o resto do continente sul-americano. Iremos crescer juntos, consolidando o nosso mercado regional, que é nossa prioridade. O que fazem os Estados Unidos com a Europa e o Japão? A mesma coisa. Protegem-se, não aceitam a destruição de sua economia nem sua ocupação por outros.
Nossas relações com os Estados Unidos atingiram um novo patamar. Relações maduras, num terreno diferente do antigo, que era de dependência, para uma área de cooperação e intercâmbio e não de satelitização. Mas, infelizmente, alguns setores americanos não vêem a coisa com bons olhos. Projetam isolar o Brasil, oferecem à Argentina entrar para o Nafta e esperam que a Alca absorva o Mercosul, que deve desaparecer. O presidente Clinton chega, assim, ao nosso país num clima de "pé atrás". Para esquentar ainda mais surge um relatório de viagem, distribuído aos membros da comitiva, para que se informassem de coisas do "arco da velha" sobre nosso país.
O que nós queremos não é enfrentar os americanos, até mesmo porque isso é coisa impossível, fazer cócegas no dragão. O que nós queremos é um pouco aquilo que se diz num provérbio nordestino, quando nos oferecem a Alca em troca do Mercosul: "É melhor jumento que me carregue do que cavalo que me derrube".
Ainda é tempo de corrigirmos as coisas. Pela primeira vez, um tema de política externa faz parte da política interna: o Mercosul. E o Brasil está unido. Esta mensagem tem duas mãos: para os americanos e para o governo brasileiro. Lembrem-se do almirante Barroso quando mandava "sustentar o fogo que a vitória é nossa".

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