São Paulo, sábado, 11 de outubro de 1997
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Associação de juízes defende ampla reforma psiquiátrica

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

O doente mental precisa ser respeitado como cidadão. Com base nessa premissa, tramita no Congresso Nacional, desde 1989, projeto de lei que trata da chamada "reforma psiquiátrica", de autoria do deputado Paulo Delgado. O objetivo da proposta é acabar com o modelo de tratamento baseado apenas na internação.
No Brasil, a loucura continua sendo tratada como uma espécie de doença contagiosa. O doente é excluído da vida em sociedade, com base em legislação de 1934 (decreto nº 24.559), que estabelece o isolamento do doente em hospitais psiquiátricos como forma de tratamento.
Baseado em conceitos do século 18, o modelo vigente não acompanhou a evolução da ciência.
"É preciso mudar a legislação de modo a acabar com a segregação e exclusão social do doente. Já ficou demonstrado que o isolamento e o uso abusivo de psicotrópicos não recuperam o doente", afirma Dyrceu Cintra, presidente da Associação Juízes para a Democracia.
Segundo Cintra, a exclusão social do doente mental implica: 1) exclusão jurídica (pela interdição); 2) exclusão nos assuntos do círculo familiar (os segredos, os pactos de dependência, a vergonha, a construção permanente de fracassos); 3) exclusão no trabalho (a aposentadoria por doença incapacitante, a noção de emprego "de favor"); 4) exclusão no processo educacional (o estigma das classes especiais ou do apontamento pelos colegas da sua condição); 5) exclusão terapêutica (hospitais psiquiátricos).
"A internação pura e simples desrespeita o doente. É cômodo deixá-lo detido. Por isso, é preciso rever velhos conceitos e mudar a lei", avalia Celso Limongi, desembargador do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo.
A psicóloga Regina Maria Athayde França, que durante oito anos atendeu doentes num hospital psiquiátrico do SUS (Sistema Único de Saúde), concorda. "Retirar o doente do convívio social é aniquilá-lo. Nos hospitais psiquiátricos, normalmente, o tratamento e o controle da evolução da doença são inadequados. O doente fica lá, à toa, sem fazer nada, tomando remédios. Não lê, não conversa. Torna-se um farrapo humano."
"É esta aniquilação do indivíduo e do cidadão, em seus mais elementares direitos, que torna urgente a reforma da legislação psiquiátrica. Daí a importância do projeto do deputado Paulo Delgado", acrescenta Cintra.
Alguns Estados, como Minas Gerais, já possuem leis mais modernas. Em São Paulo, embora falte regulamentação, os princípos básicos da reforma já estão inseridos no Código de Saúde do Estado.
Diz o artigo 33 desse código que a internação será usada como último recurso terapêutico. O dispositivo prevê o consentimento informado (paciente deve ser informado sobre o tratamento a que será submetido antes de autorizá-lo) e a vigilância dos direitos indisponíveis do indivíduo, pela autoridade sanitária em conjunto com o Ministério Público.

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