São Paulo, sábado, 11 de outubro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Livro retrata empresários "neuróticos do sucesso"

CÉLIA DE GOUVÊA FRANCO
DA REPORTAGEM LOCAL

Até recentemente, não era possível ser diferente: o homem de negócios bem-sucedido trabalhava sem parar, era o primeiro a chegar ao escritório e o último a sair, mal via a família e mesmo nos momentos que supostamente eram de lazer cultivava hobbies que poderiam ajudá-lo em sua carreira, como jogar tênis e golfe com o chefe ou os clientes e ler todos os livros de administração.
Essa é a realidade, ainda, para a maioria dos administradores de empresa. Mas, gradualmente, especialistas em administração começaram, nos últimos anos, a duvidar se há necessidade desse estilo de vida.
Ray Pahl, sociólogo, professor em duas universidades britânicas, resolveu investigar a questão -por que as pessoas trabalham tanto, tornando-se, na sua expressão, "escravos voluntários do sistema"?- a partir de entrevistas com homens e mulheres que se enquadram nesse perfil.
O resultado da sua pesquisa está no livro "Depois do Sucesso - Ansiedade e Identidade Fin-de-Siècle", lançado no Brasil pela Editora Unesp.
Sensação de inutilidade
Boa parte do livro é dedicada a relatar as longas, detalhadas entrevistas que Pahl fez com empresários e executivos considerados de sucesso, todos identificados apenas por pseudônimos, como Charles Griffin, que resume em uma frase -"Quando não estou trabalhando ou realizando, sinto que alguma coisa está faltando"- o mote de vida de muitos homens de negócios.
O problema com que Charles Griffin se defrontava era o de ter alcançado demasiado sucesso cedo demais, conta Pahl. E o que ele pretendia fazer "depois do sucesso"?
Griffin confessa que não conseguia imaginar-se aposentado: "Há algo em mim que me diz: 'Você não pode parar. Deve continuar, fazer algo mais, enfrentar novos desafios'. No momento, não posso simplesmente parar e ficar inativo".
Outro entrevistado, que se tornou multimilionário em três décadas e poderia tranquilamente parar de trabalhar, vai um pouco mais além: "(Eu) perderia meu senso de dignidade pessoal se não tivesse nada para fazer".
Dominado pelo trabalho
Um terceiro homem de negócios, que trabalhava na época da entrevista com Pahl, 12 ou 13 horas ao dia numa atividade extremamente estressante, comentou, por sua vez: "Minha vida ficou tão dominada pelo trabalho -e ele me parece uma grande maçada- que no momento não consigo sair dessa rotina e já não sei o que poderia fazer. Não sei o que posso ser. Daí (me pergunto): o que você é? Eu sou o meu trabalho".
Todos os entrevistados tinham mais de 50 anos e construíram suas vidas com base na busca permanente da glória, numa verdadeira "neurose do sucesso".
Hoje, a ambição dos jovens que estão entrando no mercado de trabalho é diferente: uma pesquisa com 2.500 pessoas no Reino Unido, feita em 1994, mostrou que houve uma mudança de valores. Em vez de dar tanta importância ao trabalho e a ser bem-sucedido apenas na vida profissional, a nova geração passou a priorizar valores bem diferentes, como empatia, relacionamentos, emoção, bem-estar.
Mulheres, o modelo
Ou, como resume Pahl, muitos homens de negócios passaram a buscar o equilíbrio em que o modelo de vida se aproximaria mais do que é seguido pelas mulheres que trabalham fora de casa.
"Hoje, os homens estão aprendendo a invejar as mulheres, que parecem mais capazes de equilibrar-se entre a casa, o trabalho e a família."

Texto Anterior: Pernambucanas do Rio pede falência
Próximo Texto: Fipe prevê taxa anualizada de 4,3%
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.