São Paulo, domingo, 12 de outubro de 1997
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O mural do Cristo Operário de Volpi vai se acabar; O doutor Rennó ganhou um processo em Nova York; No Alvorada; Tiroteio pelego; Rouba-se para cima e ladra-se para baixo

ELIO GASPARI
DAS ONDAS DAS DUNAS DO ESPANTO

O mural do Cristo Operário de Volpi vai se acabar
Deve-se à pesquisadora Ana Paola Batista um sinal de alerta. Trabalhando numa tese de doutorado que trata da relação entre a arte moderna brasileira e a arte reigiosa, ela descobriu que a Capela do Cristo Operário, pintada por Alfredo Volpi no bairro do Alto Ipiranga, em São Paulo, nos anos 50, está se acabando. De seus três painéis, dois já estão com a parte inferior praticamente perdida. O Cristo do mural central, bem como o Menino Jesus e o São José de uma das pinturas laterais, ficaram sem os pés. O estrago é produto de uma infiltração e a menos que se faça alguma coisa, progredirá.
Volpi pintou a capela a pedido do milionário Ciccillo Matarazzo logo depois de retornar de sua única viagem à Itália. Não é uma de suas melhores obras, nem sua melhor pintura mural. Perde para a capela Dom Bosco, no Itamaraty. Levando-se em conta que seus murais da Igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Brasília, foram cobertos de tinta por ordem de algum padre néscio, é pouco do que resta da obra religiosa de Volpi.
O mau estado da capela foi registrado pelo fotografo João Musa, que está trabalhando no projeto de catalogação da obra do pintor. Foi atrás de uma obra de arte e encontrou uma ruína que por pouco não foi repintada como se fôsse parede.
A burocracia do clero e da cultura podem convidar a população para visitar a destruição de uma obra de arte. (Se alguem estiver interessado no assunto, um painel de Fulvio Pennacchi, na Igreja paulistana de Nossa Senhora da Paz, também está começando a ser comido pela infiltração.)

O doutor Rennó ganhou um processo em Nova York
Noves fora a Odebrecht, o doutor Joel Rennó, presidente da Petrobrás, fez mais uma. A empresa está sendo processada nos Estados Unidos pelas seguradoras Fidelity e American Home, junto às quais contratou, em 1994, seguros de desempenho para três obras que, segundo os contratos, deveriam ter custado US$ 443 milhões.
Tratava-se da construção de uma plataforma de alto mar e de dois navios produtores de petróleo. Em atividade, aumentarão a produção diária nacional em 25%, permitindo a FFHH que anuncie a quebra da marca do milhão de barrís diários.
As concorrências foram ganhas pelo estaleiro IVI (Industrias Verolme-Ishibrás) que deveria entregar os equipamentos em dois anos. O seguro era coisa simples: se o empreiteiro falhasse no prazo ou no preço, a seguradora ficaria com o prejuízo. Por conta dessa garantia a Petrobrás pagou US$ 9,2 milhões.
Os projetos foram alterados, o estaleiro capotou (sem que se possa atribuir isso à Petrobrás) e o serviço começou a custar cada vez mais caro com prazos cada vez maiores. Poucos meses depois da assinatura do contrato a diretoria da Petrobrás já constatara que a vaca ia ao brejo.
Em vez de chamar as seguradoras a quem pagara razoável ervanário, administrou o caso pelo método Petrocaos e os equipamentos acabaram custando mais de US$ 600 milhões. Rotina num mundo onde uma obra semelhante, da Odebrecht, contratada por US$ 177 milhões, saiu por US$ 233 milhões sem que houvesse reclamação.
A diferença entre uma concorrência e uma palhaçada está no fato de que numa delas o vencedor se compromete a cumprir prazos e preços. Se esses dois fatores fossem variáveis, doutor Rennó poderia terceirizar suas licitações para o Gran Circo Argentino e ainda faria alguma economia (ainda que perdendo a parte mais divertida do episódio).
Depois que a vaca já tinha atravessado metade do brejo, Rennó resolveu pedir às seguradoras que lhe pagassem o prejuízo. Queria 250 milhões de dólares. As seguradoras ofereceram 20 em dinheiro e 65 em papéis que dariam direito a descontos em contratos futuros.
Como a cobrança continuou, no dia 18 de agosto passado a Fidelity e a American Home foram aos tribunais americanos. Num documento de 15 páginas, sustentam que nada devem, porque a Petrobrás se transformou em "alter ego" do empreiteiro, assumiu o controle das finanças das obras, fez mudanças que não estavam no contrato, não se queixou na hora certa e "obstruiu e frustrou" as tentativas de investigação das eventuais irregularidades ocorridas. Dizem simplesmente que nada devem. (O que não é uma posição absoluta, porque estão querendo um acordo.)
O caso já estava há quase um mês na justiça americana, na qual o doutor Rennó certamente confia, quando ele resolveu processar as seguradoras na 7ª Vara Civel do Rio de Janeiro. Em vez de pedir de volta o prejuízo que teve nas três obras, por enquanto tratou só de uma.
Dentro do mais legitimo estilo Petrocaos, Rennó já saiu nos gibis recebendo as duas plataformas terminadas sem respeito aos custos e prazos contratuais. Se uma pessoa compra um apartamento (na Lagoa, por exemplo) só recebe a chave depois de assinar um recibo. Como o mundo de Rennó é outro, recebeu as plataformas, fez a festa, mas não assinou o termo de recebimento da obra.
A existência de dois processos e a possibilidade de um acordo, permitirão ao distinto público acompanhar os argumentos da Petrobrás e a contradita das seguradoras. Como diria FFHH, darão transparência ao seu governo. Se houver acordo, qualquer coisa que fique abaixo dos US$ 250 milhões que Petrobrás acha que tem direito, gerará uma diferença: aquilo que ela prefere não discutir.
Haverá sempre o argumento de que os equipamentos vão funcionar, a produção de petróleo vai aumentar e serão economizadas divisas. É penas que ele não passe de uma piada velha, com mais de 40 anos. Coisa do tempo em que o doutor Ademar de Barros governava São Paulo.
(Por conta dessa confusão o mercado de seguros de desempenho fechou-se para a Petrobrás. Seus empreiteiros estão recorrendo a cartas de crédito, que custam mais caro. Só num caso, uma plataforma custará algo como US$ 3 milhões a mais.)

No Alvorada
Ao seu jeito, FFHH já começou a conversar, sempre no Alvorada, com pessoas que poderá vir a convidar na reforma ministerial que espera fazer no início do próximo ano. (É a mesma que esperava fazer antes de dezembro.)
Não oferece lugares, mas conduz a conversa de forma a dar ao interlocutor a oportunidade de sugerir para onde gastaria de ir.

Tiroteio pelego
Está vago o terceiro cargo da hierarquia do ministério do Trabalho. É a Secretaria de Relações do Trabalho. Seu ocupante, Plinio Sarti, foi-se embora, depois de uma gestão medíocre. Seu principal postulante é o legendário José Ibrahim, das greves de 1968. É patrocinado pela Força Sindical e vetado, entre outros, pelo corregedor trabalhista do tucanato, Enilson Simões de Moura, os Alemão das greves de 1979. As chances de Ibrahim estão restritas ao mundo das ressurreições.
Até agora, todas as manobras pela captura dessa Secretaria estiveram mais relacionadas com os seus defeitos (alavancar a criação de novos sindicatos) do que com suas qualidades (criar formas de entendimento entre o governo e o meio sindical).

Rouba-se para cima e ladra-se para baixo
Há cerca de 20 anos o governo brasileiro arrumou uma crise com a diplomacia americana porque o Departamento de Estado informava que havia tortura nas prisões políticas brasileiras. Havia. A tortura acabou, entre outras razões, porque o governo americano, depois de ter bajulado os generais que montaram o porão, pressionou pelo seu fim. Foi o presidente americano Richard Nixon quem disse que "para onde for o Brasil irá o resto da América Latina". De fato, foram todos para a ditadura e, depois, para a breca. Foi o presidente Jimmy Carter quem tirou a bandeira americana do mafuá dos generais.
Agora caiu-se numa discussão em torno da corrupção. Finge-se discutir se ela é "endêmica" ou "extensamente propagada".
Aos fatos:
Há dois anos um alto funcionário do governo, Francisco Graziano) armou um esquema com agentes da Polícia Federal e grampeou o telefone do chefe do Cerimonial da Presidência (Julio Cesar dos Santos). O embaixador falava de mexericos e maracutaias. Acabou em quê? Estão todos no serviço público. Um na Secretaria de Agricultura de São Paulo, outro na Europa e os policiais na polícia. Isso num governo que permite a utilização de cães para controlar as pessoas que vão para a rua ver o Papa passar.
O Estado brasileiro é padrinho da corrupção e seus governos, em graus variáveis, são seu principal agente. Quem impediu a CPI da compra dos votos para a reeleição não foi o imperialismo nem a ALCA, foi o Planalto.
A prova dos nove não está no tamanho da corrupção, mas no tamanho da cela onde cabem todos os corruptos presos. Nos Estados Unidos banqueiro vai em cana. No Brasil, vai passear de BMW em Miami.
A contraprova está na naturalidade com que se protege o arbitrio contra o fraco. Nos Estados Unidos, general que acoberta arbitrariedades vai para a reserva. No Rio, o general Valdésio Guilherme de Figueiredo, comandante da Vila Militar, encafua civís em quartéis, coisa proibida pela lei. O que lhe acontece? Nada.
Discutir a corrupção é sempre uma contribuição aos costumes. Também faz bem aos costumes americanos , lembrando como gorjeiam as aves por lá:
1) O presidente Gerald Ford perdoou seu antecessor, Richard Nixon, que renunciou ao mandato para não ser defenestrado num episódio de grampos cujas raízes estavam numa briga de caixinhas eleitorais. (FFHH ainda não perdoou Fernando Collor.)
2) Há indícios (não provas) de que John Quincy Adams comprou a presidência dos Estados Unidos no Colégio Eleitoral, na eleição de 1824, derrotando Andrew Jackson.
3) Há fortes indícios de que o presidente Abraham Lincoln comprou os votos que lhe faltavam para passar a Abolição da Escravatura.
Como há muita gente que acredita numa inata superioridade moral e histórica dos governantes americanos, vai bem lembrar um pequeno episódio só agora conhecido. Não tem a ver com corrupção, mas com as dimensões da mesquinharia dos poderosos.
Nesta quinta-feira comemoram-se 35 anos da crise dos misseis soviéticos colocados em Cuba. Na manhã do dia 16 de outubro de 1962 o presidente John Kennedy, chocado com a descoberta, reuniu-se com a cúpula militar americana para decidir o que fazer diante da comprovada existência dos foguetes. Planejaram o bombardeio de todos os aeroportos e bases aéreas cubanas. Discutiram uma eventual invasão da ilha e resolveram voltar a discutir o assunto. A reunião se desfez.
Como Kennedy mantinha um gravador clandestino na sala, ele continuou girando. Registrou que enquanto colocavam o mundo na porta da Terceira Guerra Mundial, o vice-presidente Lyndon Johnson se aproximou do secretário de Defesa Robert McNamara e levantou uma questão que o preocupava: Será que o Pentagono podia trocar para melhor o modelo do avião que lhe emprestava para suas viagens (sobretudo para seu rancho no Texas)?
Johnson acabou presidente e até que não foi dos piores. A menos que haja uma reviravolta, melhor que Clinton, com certeza.

POESIA
Rodrigo Garcia Lopes
(32 anos, autor de Visibilia.)
Lá vem você
Se passando por vento
Como se ninguem te visse
Lá vem você dublando pensamento
Como praia que sentisse

Pra perto do riso, do risco, do inicio
Lá onde calar fala mais alto
E onde o momento comemora
Com um minuto de silêncio.
***
TV Death
procura-se
vivo ou morto
aqui ou no além
o assassino do poente

paga-se bem

Maurício Arruda Mendonça
(33 anos, autor de Eu Caminhava Assim Distraído.)
Há coisas que não se sabe
aos vinte
e não faz falta

há coisas que se sabe
aos trinta
e ainda falta

há coisas que jamais se saberão
nem aos vinte
nem aos trinta

só essa falta.

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