São Paulo, segunda-feira, 13 de outubro de 1997
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Yes, nós temos. Mas...

JOSIAS DE SOUZA

São Paulo - 1831. D. Pedro 1º acabara de abdicar. Paranaguá, antigo ministro da Marinha, encontrou-o no Warspite, navio que o levaria à Europa. O ex-ministro buscava refúgio. Temia por sua vida. D. Pedro 1º negou-lhe ajuda.
Resignado, o ex-ministro disse que não lhe restava senão a alternativa de voltar para Portugal, onde teria uma aposentadoria. Seguiu-se um diálogo franco, registrado em "A Vida de d. Pedro 1º", de Octávio Tarquínio de Souza.
D. Pedro 1º, seco: "Espero que não vá a Portugal antes de minha filha estar estabelecida no trono". Paranaguá: "Mas, senhor, que quer que eu faça? Não tenho fortuna, só tinha meu subsídio". E o ex-imperador: "(...) Não é da minha conta; por que não roubou, como Barbacena? Estaria bem, agora".
A corrupção aportou no Brasil junto com Cabral. Com a República, tonificou-se. Em livro de 1927 -"Mister Slang e o Brasil"-, Monteiro Lobato criou um observador fictício da realidade brasileira, um inglês espantado com a safadeza de nossas repartições.
Mr. Slang dizia: "(...) Calculo que, em cada orçamento da República, 200 mil contos se vão em comissões. O governo paga em tudo quanto compra 20% a mais (...)".
É curioso que tenhamos nos abespinhado tanto com o texto da embaixada dos EUA. Aliás, o documento que classificou nossa corrupção como "endêmica" veio à luz horas antes da absolvição dos deputados que venderam os votos e de Paulo Afonso, o governador do escândalo dos títulos.
De resto, se os EUA dizem que somos corruptos, quem somos nós para discutir? Eles são peritos na matéria -comem do mesmo hambúrguer. Os Clinton estão enrolados no caso Whitewater. Os fundos de campanha de Bill estão sob suspeita. Seu ex-secretário da Agricultura Mike Espy recebeu US$ 35 mil de "presente" de agroindústrias. Yes, nós temos. Mas eles também têm corrupção.

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