São Paulo, segunda-feira, 13 de outubro de 1997
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Reformular as relações Brasil-EUA

EMIR SADER

O adiamento por alguns meses da visita do presidente norte-americano Bill Clinton lhe permitiu superar os problemas no joelho, mas não melhorou a situação de seu país diante da América Latina e do Brasil.
Ao contrário, é o continente -e, no nosso caso, o Brasil- que tem uma agenda cada vez mais extensa para tratar com o homem que concentra mais poder no mundo.
É verdade que a voz do Brasil diminuiu de força. Já fomos um país de certo peso no mundo, mas hoje o nosso perfil baixou muito. Fomos importantes por haver construído um parque industrial com crescente competitividade internacional, apoiado por uma infra-estrutura moderna, articulada nacionalmente, e por um Estado que formulava metas estratégicas.
Éramos importantes igualmente porque tínhamos uma política externa que nos alinhava com as forças que resistiam ao controle do sistema político, econômico, financeiro, cultural, tecnológico e de meios de comunicação pelas grandes potências mundiais. Tudo isso apesar de vivermos em ditadura militar, com todos os problemas que isso trouxe para o país e para o nosso povo.
Hoje, nosso peso internacional é decrescente. Somos, antes de tudo, um mercado que serve para desafogar déficits comerciais de outros países, como resultado de uma política que fez com que os produtos primários voltassem a liderar nossa pauta exportadora e nossa participação no comércio mundial se reduzisse cada vez mais, em lugar de aumentar.
As taxas de juros estratosféricas e a desregulamentação financeira atraem capitais especulativos -ao contrário, por exemplo, da China, que atrai capitais produtivos apesar de sua forte regulamentação- de todo o mundo, o que nos deixa muito vulneráveis externamente.
Quando os capitais produtivos chegam, podem conseguir vantagens extraordinárias, devido à falta de política industrial e à guerra fiscal entre os Estados para ver quem concede mais aos capitais estrangeiros.
Por outro lado, deixamos de ter uma política externa independente, que formule e ponha em prática os valores do povo brasileiro em conexão com os que comunguem dos mesmos interesses e preocupações.
Apesar dos avanços do Mercosul, não temos como parceiros fundamentais a China, a Índia, a África do Sul, o Paquistão e o conjunto de países do Hemisfério Sul excluídos dos três megamercados mundiais. A posição subordinada do Brasil diante do mercado mundial só nos enfraquece e faz com que se falte ao respeito conosco.
Apesar disso, os avanços no Mercosul -que têm que ser consolidados na direção da extensão geográfica da integração, como tem acontecido, mas também na da integração social, política, cultural, tecnológica, universitária, esportiva, dos meios de comunicação- nos possibilitam colocar ao presidente dos EUA temas fundamentais, como, por exemplo, a discriminação comercial desse país, não somente em relação a nós, mas a todo o continente.
A política norte-americana de imigração, que afeta tão duramente vários países do continente, é outro tema a ser conversado com Bill Clinton, assim como a insensata corrida armamentista com que ele acena para o continente.
A normalização das relações entre os EUA e Cuba é um tema central para um continente que busca sua integração e não pode aceitar -como tampouco aceita a Comunidade Econômica Européia- as enlouquecidas leis norte-americanas que pretendem ter jurisprudência sobre terceiros países.
Bem-vindo, presidente Clinton, apesar dos acenos pouco amistosos de sua embaixada no país. O Brasil saberá aproveitar a ocasião para reformular os termos das relações entre nossos países, tão desiguais, tão injustas, não deixando que a sua visita seja apenas protocolar e de baixo perfil, já que não foi possível trazer a "via rápida" para pressionar nossos governos a aceitar os termos de intercâmbio que interessam aos EUA.
Cabe ao governo brasileiro retomar uma posição soberana, porque somente uma redefinição da nossa inserção -econômica, política, cultural, tecnológica- internacional pode fazer com que voltemos a ser respeitados e reconquistemos uma posição de liderança em escala mundial.

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