São Paulo, quinta-feira, 16 de outubro de 1997
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Imposto do mal

JANIO DE FREITAS

A capacidade brasileira de reverter iniciativas promissoras em práticas desprezíveis, por progressiva inutilidade ou por exploração desonesta, comprova-se mais uma vez com imposto provisório para a Saúde, a CPMF cuja prorrogação a Câmara está discutindo.
Imaginado pelo então ministro Adib Jatene para acrescentar ao orçamento da Saúde as verbas que lhe eram negadas, a CPMF não tem mais razão legítima de existir. O desconto feito nas movimentações financeiras dos cidadãos e das empresas está transformado em mentira governamental e em agravamento financeiro da Saúde.
Os R$ 6 bilhões de arrecadação previstos para este ano estão permitindo ao governo, por intermédio do Ministério do Planejamento, a retenção de verbas da Saúde. O que seria acréscimo de recursos está sendo redução dos valores orçamentários aprovados pelo Congresso. Além disso, a arrecadação dos bilhões não quer dizer que estejam sendo aplicados em programas de Saúde. Muito ao contrário.
A prorrogação ora discutida na Câmara resultará, segundo estimativas do governo, em arrecadação de R$ 8 bilhões, 30% acima deste ano. É mentira governamental, porém, que por isso estará destinada mais verba à Saúde em 98. A soma da CPMF com os R$ 14 bilhões do Orçamento (estes, repetindo em 98 a verba prevista e não liberada devidamente) daria recursos de R$ 22 bilhões.
Mas, em demonstração cabal de que está usando a CPMF para diminuir as verbas orçamentárias da Saúde, e não para reforçá-las, o governo capa R$ 3 bilhões do total. Como não diminuirá a cobrança da CPMF, tira-os, é claro, da verba orçamentária da Saúde.
Insuspeito de qualquer escorregão oposicionista, o "Estadão" de anteontem publicava o editorial "As 'doenças velhas' estão de volta", cujo título já diz o necessário, mas que merece ao menos uma referência de suas justas motivações: "Nos últimos 12 meses, o número de óbitos devido à cólera aumentou de 20%. No mesmo período, os casos de dengue aumentaram de 8%". São males típicos da inoperância governamental.
A inoperância, no estágio atual do governo, não se deve só à retenção de verbas pelo governo, exatamente para os problemas mais críticos que são a Saúde e a Educação. Adib Jatene foi um ministro incômodo para um governo que tem por único objetivo a estabilidade da moeda. Fernando Henrique Cardoso não o substituiria por outro desejoso de dar sentido à condição e à responsabilidade de ministro da Saúde. Nem sabendo isso se imaginaria que escolhesse tão bem. Não escolheu, aliás: adotou a recomendação do ministro Paulo Renato Souza, que foi buscar no Sul um congênere.
Todos os problemas da saúde e da Saúde agravam-se, a cada dia mais, desde a posse de Carlos Albuquerque. A simples demissão de um nomeado seu que arruinava um dos maiores hospitais do Rio, o de Bonsucesso, onde a corrupção e a desorganização rebelaram o corpo médico, demandou três meses de Carlos Albuquerque.
Deputados e representantes da retenção governamental de verbas discutiram ontem, na Comissão de Seguridade e Saúde da Câmara, a prorrogação da CPMF que o governo tanto quer, depois de tanto boicotá-la quando Jatene a propunha. A idéia por ora dominante é a de aprovar a prorrogação com a ressalva de que o governo fica obrigado a aplicar toda a verba, da CPMF e do Orçamento, sem qualquer retenção.
A proposta é ingênua ou farsante. Por lei, o Orçamento apenas autoriza e delimita o uso de verbas, mas não obriga o governo a aplicá-las por inteiro. Logo, quem não quiser esse imposto compulsório desviado dos fins legítimos e ainda servindo para a retirada de outros recursos, só pode voltar-se contra a colaboração transformada em extorsão.

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