São Paulo, quinta-feira, 16 de outubro de 1997
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Yo-Yo Ma traduz obra de Bach em imagens

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

"Yo-Yo Ma - Inspirado por Bach" traduz em seis filmes a profunda devoção do músico pelo trabalho do compositor.
Realizado pelo violoncelista franco-sino-americano Yo-Yo Ma para a TV, o projeto tenta dar conta da difícil tarefa de transformar as suítes para violoncelo de Bach (1685-1750) em imagens que não sejam apenas ilustrações, mas verdadeiras leituras da obra.
Todos os filmes fazem do violoncelista personagem, principal ator ou narrador de pequenas fábulas sobre o sublime e o inexplicável que há na música.
Para Yo-Yo Ma há algo em Bach que o aproxima de todas outras artes e, em consequência, da própria vida.
Seguindo esse conceito, no início de "The Music Garden" (dirigido por Kevin McMahon), o primeiro filme da série, o músico nos explica de que maneira a suíte nº 1, para ele, está associada à natureza.
Acompanhamos então -o formato é de um documentário- Yo-Yo Ma e seu desejo de construir um vasto jardim público no centro de Toronto e também suas discussões sobre o som e sua fruição com a paisagista Julie Moir.
Não é propriamente cinema, e sim um debate com música. Algo que François Girard (conhecido por seu "Trinta e Dois Curtas Sobre Glenn Gould") rejeita em "The Sound of the Carceri", feito para a suíte nº 2.
Dessa vez, o território não é o da paisagem, que cede lugar à "obra do homem".
Yo-Yo Ma associa a composição à arquitetura. Girard a entende como um confronto entre Bach e as construções do arquiteto italiano Giovanni Battista Piranesi (1720-1778).
Yo-Yo Ma executa a suíte em um palácio em Veneza. Microfones são espalhados pelas salas do lugar para que o músico possa acompanhar os efeitos causados pela composição no espaço.
Há surpresa, por vezes fúria e uma grande dose de maravilhamento nas belas soluções formais encontradas por Girard para representar o grande mistério que para ele é o gênio.
Nos outros filmes da série existe bem menos inventividade. São evitadas segundas leituras nas aproximações das composições com o trabalho do coreógrafo Mark Morris ("Falling Down Stairs", de Barbara Willis Sweete), o teatro japonês ("Struggle For Hope", de Niv Fichman) ou a patinação no gelo, em "Six Gestures", de Patricia Rozema.
Mas há também uma exceção preciosa: o canadense Atom Egoyan, conhecido por "Exotica" (1994), e sua visão da suíte nº 4 em "Sarabande".
Se todos outros diretores se rendem a abordagens didáticas, Egoyan acredita que apenas a ficção é capaz de dar conta do que Yo-Yo Ma pensa haver de vertigem emocional em Bach.
O anunciado (e esperado) anseio do violoncelista -a harmonia entre música e existência representada em filme- finalmente acontece.
Yo-Yo Ma é agora apenas um coadjuvante no enredo. Egoyan faz do som de seu instrumento uma espécie de trilha para os amores, esperanças e mágoas de um grupo de pessoas no Canadá.
É colocada de lado a verborragia desnecessária sobre o encanto provocado por Bach -fruto incômodo que persegue outras obras do projeto.
Egoyan repõe a idéia de que a música se faz independente de nós, ao mesmo tempo que é produzida exclusivamente para nós. A vida transcorre e ela acontece por e apesar disso. Lembra, enfim, que ouvir pode ser apenas um ato fisiológico, mas escutar é uma misteriosa exigência do espírito.

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