São Paulo, quinta-feira, 16 de outubro de 1997
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MORRE-SE À TOA NO BRASIL

Já foi dito que quando a eliminação de uma vida deixa de ser considerada trágica é sinal de que a vida mesma se tornou também uma tragédia. O que dizer então da vida no Brasil? Aqui, morrem, de chofre e em grupo, dezenas de pessoas, em hospitais ou nas mãos de grupos de extermínio, para dar só dois exemplos.
O morticínio não deixa de causar escândalo, o qual, porém, acaba por se revelar pontual e perde vigor até que apareça um novo ciclo de mortes. Até dois anos, a indignação era suscitada por chacinas -mortes à bala- de diversos tipos, em São Paulo e no Rio. Elas continuam, com um perfil um tanto diferente, mas se integraram à paisagem "natural" da violência no país. No ano passado, ficou evidente um novo ciclo, o das mortes pela veia, nos hospitais.
A injeção de medicamentos no corpo dos pacientes levou à morte, em grupos, dezenas de pessoas no país. Foram, por exemplo, os 47 da hemodiálise de Caruaru. Foram as dezenas de bebês em lugares tão diferentes como Campinas e interior de São Paulo, São Luís do Maranhão e Boa Vista, em Roraima, onde, confirma-se agora, foram injetadas bactérias no corpo de recém-nascidos.
Pode-se agregar à lista outras lamentáveis ocorrências, como a falta de higiene básica, que matou 102 idosos numa clínica do Rio e mais crianças em maternidades, e a fiscalização incompleta dos bancos de sangue. Como se tudo isso não bastasse, um estudo revelado por esta Folha mostra que 48% dos internados na rede do Sistema Único de Saúde são desnutridos. Além de alguns já chegarem famélicos, também se descuida da alimentação dos doentes no hospital, o que obviamente agrava o estado dos pacientes.
É decerto a desigualdade social que cria as condições para que se disseminem esses tipos diversos de violência. Minorá-la custa, no mínimo, tempo. Mas a negligência criminosa, que mata cidadãos indefesos à socapa, pode ser atacada mais rapidamente. É preciso fiscalização decente do poder público e punição rigorosa para os culpados. O exemplo poderia servir, pelo menos, para intimidar outros irresponsáveis.

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