São Paulo, sexta-feira, 17 de outubro de 1997
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Dario Fo 'pensa' em passar ano no Brasil

JOSÉ GERALDO COUTO
DO ENVIADO ESPECIAL A FRANKFURT

O teatrólogo italiano Dario Fo, que na semana passada ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, concedeu uma disputada, confusa e até certo ponto frustrante entrevista coletiva anteontem na Feira de Frankfurt. Como era de esperar, o autor teve de responder muitas perguntas sobre o Nobel.
Por exemplo: o que vai fazer com o dinheiro? "São tantos projetos que talvez o prêmio não me baste. Além disso, há muitos grupos e associações que vêm me pedir ajuda financeira, inclusive às vítimas do terremoto na Itália. Tenho um filho que vive na região do terremoto. A causa me é próxima."
A uma jornalista que lhe disse que o Nobel teria sido mais justo se lhe tivesse sido conferido há 30 anos, o dramaturgo respondeu: "Penso que escrevi algumas coisas interessantes depois disso, como 'Morte Acidental de um Anarquista' e 'Mistero Buffo'."
Outro entrevistador disse que a crítica européia estranhou a premiação, dizendo que Fo era mais um homem do palco que propriamente um escritor. O autor respondeu: "Historicamente, a maioria dos grandes autores teatrais são também atores ou encenadores. Veja o caso de Brecht, de Rusante, de Molière".
Sobre o que vai ser da sua carreira agora, depois do Nobel, disse esperar que não lhe aconteça o que ocorria na tradicional "festa dei buffoni", na Itália: "O bispo ou o potentado local dava sua roupa ao bufão. Por um dia, o cômico era o chefe da cidade. Quando acabava a festa, no dia seguinte, ele tinha de fugir para não ser castigado pelo que tinha feito."
Fo garantiu que só quer deixar passar a agitação em torno do prêmio para voltar a trabalhar na peça "Il Diavolo con le Zinne" (algo como "O Diabo com Tetas"), que seu grupo está encenando em Milão. "Não há nenhuma cláusula no Nobel que impeça um ganhador de voltar ao palco."
Sobre as diferenças entre o teatro que fazia nos anos 70 e o de hoje, relembrou: "Atuávamos fora dos teatros, em qualquer lugar: praças, estádios, igrejas. Às vezes nem chegávamos a terminar o espetáculo, porque apagavam as luzes ou botavam fogo no palco. Era de fato um teatro vivo, de improviso. Hoje nosso teatro é mais calmo, mas ainda não-conformista."
Ao responder à pergunta de uma hispano-americana sobre o teatro da América Latina, Fo afirmou conhecer mais o teatro de língua portuguesa do que o de língua espanhola. Foi a deixa para que, encerrada a coletiva, os jornalistas brasileiros presentes o cercassem para instá-lo a falar sobre o assunto.
Fo não se fez de rogado. Disse conhecer muito o trabalho de Augusto Boal ("que tem muito a ver com o meu") e de Gianni Ratto ("que trabalhou comigo no Piccolo Teatro"), mas não quis se estender sobre os autores e diretores de que tem notícia.
"São tantos nomes. Penso em passar um ano no Brasil para acompanhar o que está acontecendo no seu teatro." Depois dessa frase, que ninguém soube se deveria levar a sério, o autor cortou: "Agora vou à feira cumprimentar Saramago, meu rival."
(JGC)

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