São Paulo, sexta-feira, 17 de outubro de 1997
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Ator abre mais uma página de seu diário íntimo

DO "LE MONDE"

Se Clint Eastwood decidiu filmar "Poder Absoluto", é porque o roteiro de William Goldman, adaptado de um best seller de David Baldacci, descreve a relação problemática entre um pai e uma filha.
"Passei por isso. É fácil encontrar referências", disse Eastwood, em biografia lançada nos EUA no final do ano passado.
O ator encontrou ecos pessoais na história do arrombador de cofres, testemunha acidental de um assassinato, que tenta reatar a relação com a filha que praticamente não viu crescer.
Em 1964, quando ainda era um jovem turco de botas cuidadosamente engraxadas, na série de TV "Rawhide", teve uma filha ilegítima, pela qual nunca se interessou.
Sua atitude abertamente sexista era um prato cheio para os jornais sensacionalistas da época. Sobre seu casamento, pregava a "vida dupla" e dizia que, se o relacionamento durava tanto tempo, era porque Maggie, sua mulher, era inteligente o bastante para lhe dar um pouco de crédito.
Em seus primeiros filmes, "Os Abutres Têm Fome" (70) e "Alcatraz: Fuga Impossível"(79), ambos de Don Siegel, ele interpretava sempre o mesmo personagem altivo e seguro de si, que afastava com polidez e firmeza suas parceiras femininas.
A situação é diferente em filmes como "Os Imperdoáveis" (92) e "As Pontes de Madison" (95). Clint Eastwood continua o mesmo marginal e o marginalizado de sempre, mas agora a solidão parece um fardo, uma maldição difícil de se livrar.
Seus filmes sempre foram o eco de sua existência. Nos três faroestes-espaguete de Sergio Leone, "Por um Punhado de Dólares" (64), "Por Alguns Dólares a Mais" (65) e "Três Homens em Conflito" (67), ele era um homem sem nome, sem amarras.
"Na Linha de Fogo" (93) traz um Eastwood melancólico e angustiado, em busca de uma chance para se redimir de um pecado original -o assassinato de Kennedy, do qual ele era guarda-costas.
O que surpreende em "Poder Absoluto" não é a crítica grosseira do sistema político, nem a forma cômica de mostrar o presidente da mais poderosa nação do mundo como um perverso polimorfo. O surpreendente é a capacidade, em um filme bastante óbvio, de falar tão abertamente de si mesmo sem o álibi da ficção.
Em uma cena forte, Luther Whitney, o arrombador, chega em casa. Sobre a cômoda, alinhadas, uma dezena de fotos da filha.
Pouco importa se são autênticas ou não, pois "Poder Absoluto" se lê como um álbum de família, uma tentativa de utilizar as convenções do cinema para filmar em primeira pessoa.
Por muito tempo, Eastwood se contentou em ser apenas um ícone. Mas ele faz parte da categoria de atores, como Robert Mitchum, que são maravilhosos principalmente quando não fazem nada.
Na tela, Eastwood se lê como um livro. Vê-lo hoje é uma espécie de diálogo secreto entre o espectador e o ator que nada pode atrapalhar.

Tradução Luiz Antonio del Tedesco

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