São Paulo, sexta-feira, 17 de outubro de 1997
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MAE WEST

MARTA MCPHEE
ESPECIAL PARA O "NYT BOOK REVIEW"

A maior parte das pessoas - entre elas, eu - quando pensam em Mae West, pensam em Flower Belle Lee, protagonista de "My Little Chickadee". Lembram de uma loira, gorda, meio sereia, meio caricatura, andando devagar pela tela com seu busto e seus quadris enormes e o cigarro pendurado no canto da boca. No entanto, este filme feito em 1940, quando a atriz tinha quase 50 anos, chegou relativamente tarde na carreira de Mae West e ela o odiava. Ela odiava ter o mesmo cachê e o mesmo peso nos créditos que W.C. Field que, na sua opinião não passava de um bêbado detestável. Além disso, para o público da época, como Emily Wortis nos diz em "Becoming Mae West", sua profunda e interessante biografia da atriz, Flower Belle foi uma repetição, um novo arranjo da personagem que West levou quase 40 anos aperfeiçoando.
Foi em 1928, depois de muitos anos de ser atacada pela crítica por suas atuações explicitamente sexuais - e depois de ter sido presa e até de ter ficado na cadeia - que West desenvolveu plenamente seu estilo, com a personagem Diamond Lil, na produção do mesmo título apresentada na Broadway. Cinco anos depois, em Hollywood, Diamond Lil se tornaria uma personagem muito mais domesticada - Lady Lou - no filme "She Done Him Wrong" e West passaria rapidamente à condição de estrela. De repente, seu rosto passou a estar em todas partes - em desenhos animados, em embalagens de sabonete Lux. Mae West se tornou a quinta estrela mais popular da América e a mulher mais bem paga do país. (Em uma reportagem de 1933, a revista Variety declarou "Ela é um assunto tão atual quanto Hitler)
Lady Lou, apertada no seu espartilho, esbanjando extravagância e brilhantes, combinava humor, "fala grossa", ironia e insinuações sexuais. Segundo Leider, em uma época em que os Estados Unidos consideravam Nova York como seu modelo cultural, Mae West era a nova-iorquina por excelência. Era a "perfeita musa da Depressão...ela era capaz de fazer qualquer um esquecer seus problemas, sem lhe pedir para negar suas raízes, sua sexualidade ou o fato de achar muito bom ser rico".
"Becoming Mae West", como o próprio título sugere, trata da evolução da personagem Mae West - como uma garota pobre, nascida no Brooklyn, passou a ser um dos maiores ícones femininos do século 20, considerada uma pin-up até mesmo hoje, dezessete anos depois de morta - e portanto, trata das primeiras quatro décadas da carreira da atriz, até 1938. Entretanto, a biografia de Leider é também o retrato de uma era: a autora dedica grande parte do livro a mostrar o contexto histórico, particularmente a paisagem moral do início do século 20, para poder definir mais claramente o lugar que Mae West ocupou nessa época e, principalmente, o seu domínio sobre ela.
O período compreendido entre a primeira Guerra Mundial, a Lei Seca, os Loucos Anos 20 e a Grande Depressão foi marcado não só pela turbulência política como por uma enorme experimentação cultural e também pela mais severa depressão. Juntamente com a guerra houve uma revolução sexual e, pela primeira vez, os métodos contraceptivos foram discutidos em público. O público dos teatros e dos cinemas estava ansioso por sexo. A censura, por sua vez, queria reprimi-lo. Logo no início, Mae West entendeu este conflito e passou a se equilibrar na linha entre o permitido e o proibido. Ela não pretendia deixar que a censura se interpusesse no seu caminho. No seu livro, Leider cita as palavras da atriz "Minha luta sempre foi contra a depressão, a repressão e a supressão".
Ao mesmo tempo em que relata o progresso da carreira de West, Leider - autora de "Californiaïs Daughter: Gertrude Atherton and Her Times", também conta detalhadamente a transformação da indústria do espetáculo, que evoluiu de uma pequena coleção de pequenos teatros, music-halls e salões de baile, até o fabuloso negócio que é Hollywood. A autora descreve a forma em que eram vistos os atores - que de pessoas quase sem valor passaram a ser considerados deuses - e relata a evolução da música do ragtime aos blues e o jazz.
Mae West estava à frente de tudo o que era novidade. Ela estava pronta para ir a qualquer lugar ou fazer qualquer coisa para poder aprender uma nova dança ou uma nova música, que pudesse incorporar ao seu repertório. Por isso, ela sempre estava um ou dois passos a frente de seu tempo: Mae West apresentou danças como, por exemplo, o shimmy, a públicos que ainda não estavam preparados para eles.
A atriz nasceu em 1893. Sua mãe, Matilda, era uma imigrante alemã que fazia modelagem de espartilhos antes de se casar, aos 18 anos; seu pai, John, era um encaixotador bêbado que perdia todos os empregos que conseguia encontrar. O casal tinha tido outra filha antes de Mae, que morreu quando ainda era bebê; depois de Mae, tiveram outra filha e um filho. A infelicidade do lar familiar, conta Leider, proporcionou um poderoso exemplo negativo a Mae West, que se opunha ao casamento por considerá-lo uma instituição que só poderia servir para encerrar sua carreira. Sua devotada mãe encorajou esse ponto de vista e foi artífice da metamorfose de Mae - de garotinha do Brooklyn a estrela de primeira categoria. Matilda queria que sua filha fosse a sucessora de Lillian Russel, e conseguiu que a menina de cinco anos atuasse nos teatros locais nas apresentações da escola.
Na adolescência, Mae West já representava de uma forma sexualmente sugestiva, com bases em idéias adaptadas das dançarinas do vente de Little Egypt. West começou no teatro burlesco (um fato que mais tarde ela passou a negar), depois aperfeiçoou seu trabalho no vaudeville, onde causou sensação importando técnicas burlescas nas casas de espetáculos de vaudeville, que tinham uma orientação muito mais familiar. Os gerentes ficavam nervosos com sua atuação e lhe pediam moderação. Mas como seu objetivo era verdadeiramente o palco, ela não estava disposta a comprometer sua sensibilidade ou sua visão artística. Ao perceber que os roteiros que recebia não estavam de acordo com sua visão pessoal, procurou ajuda e começou a escrever seu próprio material. Mais tarde, ela escreveu peças de teatro, novelas, roteiros para filmes, artigos em revistas e jornais e também uma autobiografia - "Goodness Had Nothing to Do With It". Mae West escreveu sobre prostituição, homossexualidade, dragg queens e relacionamentos inter-raciais.
A sensacional peça de teatro de Mae West, intitulada "Sex", que foi apresentada na Broadway em 1926, causou sensação. Joseph V. McKee, prefeito em exercício da cidade de Nova York, mandou retirá-la por indecência. Houve um processo, muito comentado, por obscenidade e Mae West foi condenada a pagar uma multa de US$ 500 e a 10 dias na prisão feminina de Welfare Island. Uma vez cumprida a pena, ela posou para fotos entregando um cheque de US$ 1,000 aos guardas como doação para a biblioteca da cadeia. Sua única queixa foi sobre a roupa de baixo que as detentas eram obrigadas a usar. "Devo o que eu sou à censura", declarou a atriz, anos mais tarde, durante uma entrevista.
Devido à sua tendência para o escândalo, Hollywood ignorou Mae West até o começo da década de 1930, quando a Paramount, um dos estúdios que lutava para se afirmar, ofereceu à atriz o papel principal em "Night After Night", com George Raft. West detestou o roteiro e insistiu que queria reescrevê-lo. O estúdio, que praticamente não tinha nada a perder, concordou. O filme foi um sucesso e fez de Mae West uma escritora e uma estrela do cinema; também salvou a Paramount da falência.
No entanto, a própria Hollywood, que tinha levado Mae West para o Oeste, tentou imediatamente domesticá-la. "She Done Him Wrong" e "Iïm no Angel", seus dois filmes posteriores, tiveram um mínimo de edição. No entanto, todas as gírias foram cortadas e o título de uma música "Ninguém Faz Isso Como o Homem de Dallas", foi mudado para "Ninguém Me Ama Como o Homem De Dallas".
Em 1934, o Hays Office perseguia violentamente a imoralidade nas telas do cinema. Mae West passou a ser seu alvo principal e os filmes posteriores que Mae fez para a Paramount, antes de que o estúdio a liberasse em 1936, foram totalmente editados, prejudicando seu estilo e, principalmente, a sua carreira. A censura forçou Mae West a tirar o máximo partido de um suspiro ou de um gesto, mas os pesados ataques da censura aos seus roteiros fizeram com que eles perdessem sua vitalidade; sua rotina de Diamond Lil começou a parecer rígida, pasteurizada. No entanto, foi nesta época que sua imagem ficou gravada indelevelmente na imaginação nacional e internacional.
Leider fez uma pesquisa exaustiva e seu livro é rico em detalhes: resumos de cena a cena de todas as peças e filmes discutidos e relatos das vicissitudes financeiras de Mae West; seus relacionamentos familiares; seus casos amorosos; seus contatos com outros grandes artistas de Hollywood, incluindo Cary Grant (que ela dizia ter descoberto) e Marlene Dietrich (quem, segundo a própria Mae, tinha lhe feito insinuações em uma ocasião); suas sessões tentando que Rodolfo Valentino retornasse da morte e suas incursões no espiritualismo. O livro é bem escrito mas, algumas vezes, sua linguagem é demasiado animada, como se Leider tentasse emular, em palavras, o ritmo de Mae West. No entanto, à medida que a narrativa chega ao auge, esse tique estilístico desaparece e ficamos presos na trama da história de Mae West.
Cary Grant disse uma vez que Mae West "sacrificava tudo" pela sua profissão e, sem dúvida, é impossível separar sua vida de sua carreira. Ela reinventou sua história para criar um passado que concordasse com a idéia que tinha de si mesma. Inventou histórias sobre sua família e, durante muitos anos, negou ter sido casada. Como a estrela que era, tinha um ego de estrela e, depois de "Belle of the Nineties" em 1934, nunca voltou a trabalhar duas vezes com o mesmo diretor. Mas sabemos muito pouco dos sentimentos e dos pensamentos pessoais de Mae West e isso, sem dúvida, era a vontade dela.
O esforço de Leider para "penetrar as camadas de maquiagem para encontrar a mulher singular e esquiva" é ambicioso, e até amedrontador, considerando a tendência de Mae West para a ofuscação, a desconfiança e a mentira pura e simples. No entanto, muitas mais superfícies do que seria de se esperar desta "mulher extraordinária" aparecem no livro como reflexos de sua vida interior. Principalmente, Leider nos coloca dentro do mundo de uma mulher ambiciosa e determinada e nos proporciona uma maravilhosa história da atriz. Como a própria Mae West disse: "Gosto de filmes sobre mulheres fortes. Eu fui a primeira mulher liberada. Quer saber de uma coisa? Nunca homem algum tirou vantagem de mim".

Livro: Becoming Mae West
Autor: Emily Wortils Leider
Lançamento: Farrar, Straus & Giroux
Quanto: US$ 30 (431 págs.) New York

Tradução Maria Carbajal.

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