São Paulo, sexta-feira, 17 de outubro de 1997
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Medo

LUIZ CAVERSAN

Rio de Janeiro - É um tipo de violência atroz, incomensurável, apavorante.
A pessoa está lá, quieta no seu canto, dentro ou na porta de casa, muitas vezes ao lado de alguém querido, quando a brutalidade explode junto com os miolos.
A bala perdida é a tragédia mais assustadora que ocorre cotidianamente nessa cidade de tantas violências.
Esta semana, chegou aqui, bem pertinho: tirou a vida de um rapaz sério, trabalhador, cheio de esperanças no futuro, que prestava serviço aqui na sucursal da Folha.
Wilson tinha 21 anos, era discretamente elegante, embora pobre, e tinha muitos planos. Estava batalhando para virar funcionário do jornal porque queria fazer vestibular. Por causa do rápido convívio com o pessoal da redação -ficou entre nós apenas um mês-, chegou a comentar com outros rapazes daqui que pensava ser jornalista.
Tudo acabou num átimo, o tempo exato que a maldita bala perdida demorou para atravessar sua cabeça cheia de ideais. Fim rápido, brutal, asqueroso.
Quem é o culpado pela morte do Wilson?
Quem pode ser responsabilizado pelas dezenas de mortos e feridos, muitos deles incapacitados para o resto da vida, vítimas inocentes e involuntárias dos tiroteios que já fazem parte da vida de certas áreas do Rio de Janeiro, assim como o Cristo ou o Pão de Açúcar?
Inútil dizer que a culpa é do governo, da polícia. Esses não têm coragem, vontade ou competência para desarmar os traficantes dos morros.
A bala perdida para nós aqui sempre foi tratada como notícia, embora sempre chocante.
Agora, ela chegou perto, passou raspando, atingiu o rapaz que buscava ser alguém na vida e sequer percebeu quando seus sonhos todos se esvaíram.

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