São Paulo, sexta-feira, 17 de outubro de 1997
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O caminho de Santiago

JOSÉ SARNEY

O presidente Clinton viajou. Camões tem versos em "Os Lusíadas" que dizem: "Depois de procelosa tempestade/ Noturna sombra e sibiloso vento/ Traz a manhã serena claridade/ Esperança de porto e salvamento". Acabaram-se os esgares de sensibilidades à flor da pele; o visitante derramou charme, dançou em Mangueira, pediu desculpas, elogiou Portinari e Santos Dumont e a paz voltou a reinar. Tudo ficou como "dantes no quartel de Abrantes".
Só mesmo uma dose muito grande de ingenuidade, de desejo de passar por bobo ou de má-fé poderia supor que um país como os Estados Unidos, a maior superpotência na história da humanidade, pudesse supor que em simples visita presidencial pudesse mudar uma política, fruto de sedimentada análise, ao longo de bastante tempo, formulada por seus organismos governamentais encarregados de decisão, que trabalham com alto grau de sofisticação.
Clinton veio ao Cone Sul justamente para abrir caminhos para suas decisões e não para modificá-las. Veio para ajudar-se na obtenção pelo Congresso americano do "fast track" (tramitação rápida) dos acordos comerciais, o que lhe possibilitará pressões mais efetivas no setor e área. Lembremos que o Chile não entrou para o Nafta pela ausência dessa autorização. De igual modo, as conversações com a Argentina, para atraí-la como parceira desse mesmo acordo de livre comércio, esbarrou em idêntica dificuldade.
Tenho receio de mudanças na posição brasileira. A nossa firme decisão, em Belo Horizonte, era de não negociar. Leio, agora, que o Brasil afirma que "só começa a negociar na próxima reunião de cúpula, em Santiago".
Negociar o quê? O Mercosul? A admissão de membros do nosso bloco em acordos bilaterais com o Nafta, independente do conjunto? A posição brasileira tinha como base que a única decisão era de que nada estava decidido. Se vamos iniciar o processo de negociação no Chile, é porque decidimos negociar.
Uma coisa muito positiva da visita do presidente dos Estados Unidos foi a constatação de que o país está unido a favor do Mercosul. Que esse é um tema de política externa que se transformou em política interna e está servindo para a coesão do país. Clinton também sentiu que o Brasil é um país maduro, que sabe defender seus direitos e prerrogativas. Que o Brasil não entende estas três coisas: 1) o levantamento de embargo da venda de armas para a América Latina; 2) a concessão à Argentina do status militar de membro da Otan, debaixo do "guarda-chuva" nuclear americano; 3) que o governo dos Estados Unidos proponha à Argentina entrar para o Nafta, isolando o Brasil.
Tudo isso nos leva a crer em pressões para nosso isolamento e tentativas de desestruturar o Mercosul. Nossos receios são fundados. Eu participei decisivamente da criação dessa política de unidade do Cone Sul, da formulação do Tratado, e não silenciarei por nada. Não tenho sentimento antiamericano, sou grande admirador dos Estados Unidos e acho que condutas como essas nada ajudam a destinação histórica dessa grande nação.
A próxima etapa é Santiago? Pois vamos vigiar o caminho de Santiago, com olhos lá e no governo do Brasil.

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