São Paulo, segunda-feira, 20 de outubro de 1997
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Imagens são imperdíveis

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Não é um livro para ler, mas para ver. No que se lê, nada de novo. É a miserável história oficial do teatro brasileiro, que reza que nada existia, ou quase nada, até os anos 50, blablablá. (Para não falar das idiossincrasias, visíveis até na edição das fotos.)
Mas as fotos... Piolim em 1930, chapéu-coco, em figurino militar "minimalista" e com boca de palhaço, ele todo estranhamente modernista, pronto para maravilhar os modernistas com uma peça que pouco mereceu de registro no livro, além do título sugestivo, "Piolim Vai à Guerra".
Ou Maria Della Costa, deitada em maiô, os olhos fechados, loira como Marilyn Monroe, as longas pernas diante de um Paulo Autran posado, em terno, em "Depois da Queda", de 1964.
Ou a francesa Sarah Bernhardt, "mignon", flores no cabelo, olhar altivo fixado na câmera, em "La Sorcière", em turnê de 1905.
Como ela, a italiana Eleonora Duse, olhar triste, distante dentro de si mesma, em turnê de 1907.
Ou Bete Coelho, o rosto anguloso, o corpo moldado em "Eletra com Creta", de 1987.
Ou Dina Sfat em "Arena Conta Zumbi", de 1965, os braços abertos, a blusa solta, um sorriso de felicidade e juventude, tão distante da repressão e violência que se seguiriam.
Procópio Ferreira, que esta geração não viu, mas vai para a história, até a oficial, ainda que a contragosto, como o maior ator do século 20.
Ele está em andrajos em "Deus Lhe Pague", peça também tão questionada de 1932, o seu rosto seco, a barba longa, uma velhice pesada nos ombros; uma miséria esplendorosa de teatro.
Tonia Carrero em "Uma Certa Cabana", de 1952, linda como o crítico Paulo Francis jamais foi capaz de ver, ela olhando para a câmera, erguendo os cabelos, o colo nu, sorrindo com uma ingenuidade provocante.
Por outro lado, pobre Itália Fausta, também atriz maior do século, aqui na mais ingrata das fotografias, teatralmente feia, repugnante, na peça "A Estrada do Tabaco", de 1948.
E o contemporâneo Matheus Nachtergaele, lutando sem forças, todo coberto de sangue, corroído pela praga do fim do século em "O Livro de Jó", em 1994.
E a serenidade de Eduardo Moreira, numa Veraneio, mão no queixo, olhando talvez para a Julieta de Wanda Fernandes, fora de cena, em "Romeu e Julieta".
Com todos os equívocos e idiossincrasias, "Teatro Brasileiro - Um Panorama do Século 20" é o que se pode chamar de imperdível.

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