São Paulo, segunda-feira, 20 de outubro de 1997
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Filme sobre cultura esquimó vence 8º Panorama Nórdico

"Vision Man" reconstrói as memórias de um velho caçador

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A HELSINQUE

O grande vencedor da disputa de documentários do 8º Panorama Nórdico, encerrado anteontem, chama-se "Vision Man" (Homem de Visão). Poderia entitular-se "Avike do Norte". A referência imediata para o filme sueco vitorioso, dirigido pelo australiano William Long, é inequivocamente o clássico mudo "Nanook of the North", lançado há exatos 75 anos por Robert Flaherty.
Durante quase uma hora, Long reconstitui em imagens as memórias narradas pelo velho caçador esquimó Uturniarsuak Avike, habitante da vila de Thule, no noroeste da Groenlândia. Avike está entre os últimos 500 sobreviventes de sua tribo. Como sua língua está em extinção, nada mais natural que o esqueleto dramático do filme seja sua narração compassada de um cotidiano que a velhice e a urbanização estão a lhe roubar.
Long alterna registros do pacato dia-a-dia do Avike aposentado e recriações de sua vida de caçador. Um notável trabalho fotográfico e uma cuidadosa banda sonora, que valoriza cada ruído local, são articulados com precisão. É um extraordinário documentário antropológico que rompe com o estigma de chatice do gênero.
"É apenas meu segundo filme e meu primeiro prêmio. Ainda estou surpreso", disse William Long anteontem à Folha, após a cerimônia de encerramento. Pergunto sobre a influência do filme de Flaherty. "Resisti e ainda não vi 'Nanook of North'", afirmou Long. "Sabia das semelhanças. Flaherty é um dos pais do documentário. Não quis me deixar influenciar. Assim, não vi seu filme e tampouco outros do gênero. Para me preparar, li muito e passei longos períodos na região."
O Prêmio Especial do Júri foi para outra produção sueca, o curta "Killer Boots" (Botas Assassinas), do estreante Kjell-Ake Olsson. Com estrutura associativa e viés irônico que lembram "Ilha das Flores", de Jorge Furtado, "Killer Boots" denuncia o nonsense da violência dos jovens suecos de extrema-direita. O motor do filme é o espancamento de um jovem de Estocolmo, que enfrenta com bravura as sequelas neurológicas resultantes de chutes com uma bota com pontas de aço.
O veterano sueco Jan Troell ("Os Imigrantes") recebeu menção honrosa com o documentário "En Frusen Drom" (Seu Sonho Congelado). O filme reconstitui com notável dramaticidade a trágica expedição de três suecos que, há um século, tentaram alcançar o Pólo Norte usando um balão.
A média da disputa, restrita a produções nórdicas, superou largamente a das últimas competições internacionais em festivais como Amsterdã (Holanda) e Marselha (França). As histórias pessoais dominaram 16 dos 22 títulos.
Apenas dois filmes privilegiaram o enfoque de problemas sociais mais genéricos na Escandinávia e Finlândia. Curiosamente, três documentários tratavam das consequências do desmonte do sistema soviético e dois de questões político-sociais dos EUA.
Sobrou até para o Brasil. Em "Rytmi" (Ritmo), o finlandês Mika Kaurismaki recorre a uma nórdica que vive no Rio para defender a dificuldade de se aprender a sambar. É o clichê de sempre.
A disputa de curtas-metragens foi vencida pelo dinamarquês Anders Gustafsson, com "Svensk Roulette", que gira em torno do envolvimento de dois jovens com a compulsão pelo jogo.

O crítico Amir Labaki viaja a Helsinque a convite da organização do festival.

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