São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 1997
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Canudos modificou o sertão

HAROLDO CERAVOLO SEREZA
ENVIADO ESPECIAL A CAXAMBU (MG)

Depois de Canudos, o Brasil nunca mais foi o mesmo. Pelo menos, segundo seus intérpretes.
O arraial liderado por Antônio Conselheiro, massacrado pelas forças republicanas há cem anos, marcou profundamente as ciências sociais no país, na visão dos participantes da mesa-redonda "Canudos: Sertão, Litoral e Interpretação do Brasil", no 21º Congresso da Anpocs.
Segundo Regina Abreu, pesquisadora da Funarte, "Os Sertões", de Euclides da Cunha, e a leitura que a crítica fez valorizaram o sertão, o interior, como algo natural, germe da nacionalidade, capaz inclusive de moldar os europeus à brasilidade.
Nessa visão determinista e naturalista, o litoral foi classificado como algo contaminado pela influência externa, degenerado.
Além de criar no país a cobertura jornalística de guerra, Canudos preocupou autores como Machado de Assis e Coelho Neto.
Gilberto Hochman, vencedor do concurso de melhor tese do ano ("A Era do Saneamento: as Bases da Política de Saúde Pública no Brasil"), defendida no Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), apontou a influência dos conceitos de sertão e litoral no movimento sanitarista, que atuou nas décadas de 10 e 20.
Citando uma frase de Afrânio Peixoto, então professor da Faculdade de Medicina do Rio e um dos líderes sanitaristas, Hochman afirmou que as elites perceberam que "os sertões do Brasil terminavam no fim da avenida Central".
A atuação do grupo converteu o escritor Monteiro Lobato. Seu primeiro Jeca Tatu era naturalmente preguiçoso. Convencido pelos sanitaristas, Jeca passou a ser uma vítima das doenças, vistas como o principal problema nacional.
A presença das endemias, em especial de malária, ancilostomose e doença de chagas, marcavam a ausência do Estado.
Maria Alice Rezende de Carvalho, também do Iuperj, discutiu o porquê da retomada da discussão de Canudos, dessa vez com um enfoque nacional, não regionalista.
Para ela, a volta do movimento ao centro das atenções está ligada ao esgotamento da visão de modernidade como algo ligado à burocratização e à disciplina.
(HCS)

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