São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 1997
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Rock dos Stones supera pirotecnia de megaespetáculo

BIA ABRAMO
ENVIADA ESPECIAL A BOSTON

Eles trocaram a simpatia pelo demônio da transgressão por negócios reais com os diabos da mídia, da tecnologia e do marketing, mas o fato é que os Rolling Stones continuam a ser surpreendentes.
A turnê "Bridges to Babylon" repete o feito de "Voodoo Lounge": apesar da parafernália montada para transformar um show em um espetáculo híbrido de televisão e circo, os Stones conseguem criar momentos de genuína comunhão com o público e a música.
Ou seja, aquele rock do qual eles tanto falam, por instantes, rompe a barreira dos cenários cafonas, dos efeitos de vídeo, dos truques de luz e volta a se sintonizar com cada corpo e alma no estádio.
Curioso é que, com toda a sofisticação tecnológica, tudo depende ainda de pessoas: umas quatro no palco e algumas na platéia. No caso das megabandas, como os Rolling Stones, "algumas" se contam às dezenas de milhares, o que torna a mágica ainda mais surpreendente.
O show de anteontem no Foxboro Stadium, em Foxborough, Massachussetts, além de mágica, teve trabalho duro: durante a primeira hora de show, Mick Jagger teve que suar a camisa para literalmente esquentar o público, num frio de 6 graus centígrados, e coordenar a banda, que também se mostrava algo desconfortável.
A dispersão de Keith Richards, que errou feio a entrada de "Under My Thumb", chegou a causar um discreto, porém visível desentendimento entre ele e Jagger.
Já de início, eles atacaram três dos maiores hits da banda: "Satisfaction", "It's Only Rock'n'Roll" e "Let's Spend the Night Together". Em seguida, as faixas do novo disco: "Flip the Switch", "Anybody Seen My Baby?" e "Out of Control", uma bela canção-testamento que Jagger canta acompanhado de um trumpete milesdavisiano, mais uns tantos clássicos, como "Gimme Shelter" (dessa vez, foi Jagger quem entrou com o refrão antes da backing Lisa Fischer, causando mais tensão no palco) e "Sister Morphine", em que Charlie Watts deu seu show particular de elegância jazzística aplicada ao rock'n'roll.
A grande atração da turnê viria em seguida. Depois de um curto intervalo, com luzes apagadas e cortinas descidas, uma ponte hidráulica sai do palco e vai se estendendo sobre o público, em direção a um minipalco no meio da pista.
Acotovelados num espaço apenas suficiente para os quatro, eles voltam a ser a banda de garotos ingleses obcecados por blues e R&B.
Nunca, nos últimos 25 ou 30 anos, os Stones estiveram tão próximos de seu público e de suas origens. A ponte, nesse caso, sai da Babilônia e volta para um pub qualquer nos anos 60.
Até a qualidade de som que leva "Little Queenie", "Crazy Mamma" e "The Last Time" cai em relação ao som que vem do palco grande, mas isso pouco importa diante da proximidade e do despojamento. É um efeito cênico calculado, claro, mas funciona porque, além da inteligência para o showbiz, eles são os Stones.
Para além da nostalgia, parece que o truque funciona também para a banda: Jagger sai do papel de executivo do rock para voltar a ser o garoto magro e sensual, a guitarra de Richards se sente mais à vontade, Ron Wood sai da sombra.
O que vem em seguida, mesmo no palcão, mantém o espírito incendiário e provocador. "Sympathy for the Devil", um dos marcos do mito Stones, derruba o mais cético dos espectadores: soa verdadeiro, adequado e comovente, mesmo que ao lado de "Start Me Up", o hino do Windows 95 do diabão nerd Bill Gates.
Em "Tumblin' Dice", a dança sinuosa de Jagger e os solos de Richards levantam o estádio enregelado de duas horas de show no frio.
Os tradicionais fogos de artifício em "Jumpin' Jack Flash" e uma chuva de papel prateado no bis "Brown Sugar" trazem o show de volta ao megaespetáculo, mas o que está acontecendo nas caixas de som, bem, é ainda só rock'n'roll.

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