São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 1997![]() |
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Livros e mestres
WANDER SOARES Nos dois últimos exercícios, o governo investiu US$ 681,2 milhões na aquisição de livros didáticos, comprando 130,4 milhões de exemplares em 1995 e 90 milhões em 96. No entanto, pesquisa do Ministério da Educação, no âmbito do Projeto Nordeste, remete à preocupante conclusão de que parte expressiva dos livros destinados aos alunos de baixa renda e, portanto, do dinheiro público aplicado na sua compra está sendo desperdiçada.O estudo demonstrou que os professores da região não usam os livros didáticos distribuídos pelo governo, preferindo recursos pedagógicos anacrônicos, como a distribuição de exercícios mimeografados e a cópia de textos que escrevem nos quadros-negros. A pesquisa esclarece, ainda, que o baixo nível de aproveitamento dos livros está diretamente ligado ao despreparo dos professores. Há uma clara relação de causa-efeito entre a tradicional deficiência de escolaridade dos docentes e a sua dificuldade de aplicar métodos modernos e eficientes de ensino. Estatísticas do MEC permitem uma visão mais clara: o Brasil tem 1,3 milhão de professores no ensino básico. Entre eles, 5,45% nem sequer completaram o primeiro grau e pelo menos metade não tem curso universitário. O problema é mais grave justamente no Nordeste e no Norte. No Maranhão, por exemplo, 22,01% dos professores encarregados da alfabetização não concluíram o primeiro grau. Em Tocantins, esse índice é de 18,37%. Num momento em que o governo busca a melhoria do ensino público, fica muito claro que, no contexto dessa boa intenção, há um sério equívoco a ser reparado com urgência: a falta de ações concretas para solucionar um dos principais problemas da educação, que é o despreparo dos professores. Tem sido muito tímida a programação de cursos para o aperfeiçoamento e reciclagem dos mestres. Cria-se um círculo vicioso, de graves consequências: o baixo nível do ensino fundamental dificulta o acesso às universidades e resulta na formação de profissionais, inclusive professores, com deficiências no grau de conhecimentos básicos. Outros números do MEC contribuem para tornar mais claro esse raciocínio. De 1980 a 1993, as matrículas no primeiro grau aumentaram 37% e, no segundo, 49%, contra um crescimento populacional de 23%. No mesmo período, as matrículas em universidades, porém, cresceram apenas 15%, muito aquém da expansão demográfica. A comparação demonstra que é cada vez menor o número de alunos que chegam ao ensino superior. Obviamente, não é apenas o despreparo dos professores o responsável; mas o peso dessa deficiência é elevado, ao lado dos demais itens da dívida social brasileira. O Brasil, segundo o Banco Mundial, é o quinto país latino-americano com maior percentual de analfabetos (18,4%), bastante desabonador se considerado o baixo nível de escolaridade do continente. Em algumas regiões, a questão é ainda mais grave. No Piauí, por exemplo, os analfabetos são 40% da população; em São Paulo, 10% dos habitantes não sabem ler e escrever. Somam-se ao analfabetismo a repetência, a evasão escolar e a formação deficiente até de uma parcela significativa dos que conseguem um diploma universitário, como tem demonstrado o provão instituído pelo MEC. O país tem um grande desafio a vencer -a melhoria radical da educação, que passa necessariamente pela redenção do professor- para se consolidar como potência emergente e conquistar o desenvolvimento. Desperdiçando sua produção de obras didáticas e desvalorizando o talento humano, que só o conhecimento é capaz de potencializar, o Brasil perde sua soberania intelectual na globalização. Corre sério risco de se expor à subserviência tecnológica, científica e econômica perante os países que já exercitam na prática o sábio conceito de que uma nação se faz com homens e livros. Texto Anterior: Quem tem medo do contrato de gestão? Próximo Texto: Esclarecimento; Perueiros; Saúde; Fim das Forças Armadas; Perguntas; Teoria e prática; Julgamento paradigmático; Ferrorama e autorama; Falta de coerência; Dignidade resgatada; Abuso Índice |
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