São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 1997
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Ambiguidade marca "A Vida de Jesus"

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR-ADJUNTO DE ESPECIAIS

"A Vida de Jesus", filme de estréia do francês Bruno Dumont, constrói seu principal interesse a partir de idéias ambíguas.
A mais óbvia delas está no título. Contrariando expectativas, não se trata aqui de um filme religioso nem de uma versão, factual ou simbólica, da história de Jesus. Em seu lugar, "A Vida de Jesus" oferece um drama realista e seco sobre personagens quase destituídos de espessura humana.
Talvez para ludibriar a platéia, em busca de um Jesus, mesmo que simbólico, o diretor Dumont dá mais atenção à existência morna de Freddy, um dos rapazes.
Freddy sofre de epilepsia, mora com a mãe, namora Marie -a única personagem que sugere vínculos bíblicos, mas esses se resumem a seu nome- e vive entediado, sentimento agravado pelos frequentes exames hospitalares.
A primeira impressão que se tem dos rapazes é de um certo humanismo, decorrente de uma das cenas iniciais, que mostra uma visita ao irmão de um dos companheiros, paciente terminal de Aids.
Daí em diante, porém, o diretor intensifica a ambiguidade. As situações que se seguem vão configurar os personagens do grupo, Freddy à frente, como antipáticos.
A principal delas mostra a reação racista do grupo à presença de um garoto árabe na cidade. O tema da intolerância passa, então, ao centro da narrativa. Em consequência do interesse do árabe por Marie, o grupo se articula para promover a vingança, que culmina com a eliminação do indesejado.
Como "A Vida de Jesus" não chega a ser enfático sobre o problema da intolerância, o diretor foi acusado de "ideologia suspeita". Sua ambiguidade, contudo, mesmo na cena final, não chega ao ponto de justificar a intolerância.
Apesar de, às vezes, parecer não ter o que dizer, "A Vida de Jesus" é um filme que tem forças. A mais evidente é o domínio que Dumont demonstra do uso da linguagem realista, direta, sem efeitos grandiloquentes.
O uso da tela larga, por sua vez, acentua o efeito de abandono daqueles seres, além de dar oportunidade para Dumont filmar os corpos de uma maneira crua, brutal, escassa no cinema hoje.
Abandonando grandes significados, profundos ou superficiais, Dumont se afirma em seu filme de estréia como uma boa promessa.

Onde: hoje, às 21h50, no Vitrine

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