São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 1997
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"Fiesta" retrata a guerra como desastre moral

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Algo parece embalsamado em "Fiesta", e em definitivo não é seu veterano ator, Jean-Louis Trintignant. Também não é o texto (baseado em romance autobiográfico do espanhol Jose-Luis de Villalonga), que tem lampejos interessantíssimos.
A história escolhida pelo diretor Pierre Boutron diz respeito ao jovem aristocrata Los Cobos (Gregoire Colin), que se engaja nas forças anti-republicanas por ordem do pai, na Guerra Civil Espanhola.
O tenente Los Cobos serve no regimento do coronel Masaguai (Jean-Louis Trintignant), um especialista em fuzilamentos.
O confronto entre Masaguai e Los Cobos orienta o filme. O cínico Masaguai não faz a guerra por glória. Faz por prazer. Na sua visão, a guerra da Espanha é um conflito muito simples entre os ricos e os pobres, e o objetivo de suas forças é dar a vitória aos ricos.
Nenhum idealismo. Nada de lutar por "uma Espanha melhor", coisas assim. Aliás, para Masaguai, a única guerra boa é a guerra civil: nela, afinal, mata-se gente que nos aborrece. Com um pouco de sorte, diz ele, você consegue até matar um parente.
O jovem Los Cobos é jogado a seco nesse ambiente insalubre e, de cara, forçado a participar de um fuzilamento. Sua perspectiva de vida será elementar: ou adere ao cinismo inteligente de Masaguai ou se comporta como um ser moral. Ou seja, eticamente, a guerra é um desastre.
Certas virtudes do filme são muito claras. A direção de atores é um primor, e o elenco corresponde. Masaguai, o falastrão, ou o taciturno Los Cobos, assim como os coadjuvantes, ajudam a criar uma atmosfera pertinente à insânia e à crueldade daquela guerra.
Também é claro que, na Espanha, se dá um paradigma de guerra civil, que hoje se reproduz na Bósnia, na África, onde for.
Então, tudo bate com tudo. O elenco é bom, o texto faz sentido, os problemas tratados em "Fiesta" são atuais.
Ilustração Só há um incômodo. É como se o filme só existisse para concretizar um pensamento que o precede, que já existia antes do filme, que não precisaria dele para existir.
Heróis e vilões, a barbárie e a humanidade -tudo se encaixa muito bem e tudo soa um pouco ilustrativo nesse filme. Nesse ponto, suas virtudes se voltam contra ele. Exemplo: bons atores acabam denunciando essa maneira acadêmica de ver as coisas; sua arte destaca-se do conjunto, parece existir independentemente do conjunto.
Talvez por isso, "Fiesta" seja um filme muito mais fácil de ver do que, provavelmente, de reter na memória.

Filme: Fiesta
Produção: França, 1995
Direção: Pierre Boutron
Com: Jean-Louis Trintignant, Gregoire Colin, Marc Lavoine
Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco de Cinema - sala 3

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