São Paulo, sábado, 25 de outubro de 1997
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"Anahy" é saga de "mãe coragem" gaúcha

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ambientado em 1839, durante a Guerra dos Farrapos, que opôs os autonomistas gaúchos e a regência do Império, "Anahy de las Misiones" é uma espécie de cruzamento entre uma antiga lenda da região do rio da Prata e a peça "Mãe Coragem", de Brecht.
Anahy (Araci Esteves) é uma camponesa pobre que percorre com seus filhos os campos de batalha, em busca dos despojos de soldados mortos no confronto.
Anahy não faz isso por instinto macabro, obviamente, mas simplesmente como meio de ganhar a vida.
O enredo, então, é pouco mais que o deslocamento da família pelo interior do Rio Grande do Sul e os conflitos entre os filhos (Marcos Palmeira, Claudio Gabriel, Dira Paes e Fernando Alves Pinto), sobre os quais paira a sombra autoritária e provedora da mãe.
Uma das subtramas mais interessantes é o drama da filha (Dira Paes), que, por ordem da matriarca, cobre-se de panos como uma leprosa para afastar eventuais assédios por parte dos soldados.
No contexto do filme, isso serve como metáfora da couraça anti-sentimental que Anahy constrói em torno da família.
A rispidez da protagonista, acentuada pelo tom sempre gritado de sua fala, cria um distanciamento entre o espectador e o drama.
Quando consegue deixar Anahy um pouco de lado, o filme alcança momentos fortes e originais, como o do transporte de um navio por terra pelos soldados de Giuseppe Garibaldi (que aderiu aos farrapos e estendeu a revolução até Santa Catarina).
No mais, a fotografia (de Adrian Cooper) é excepcional e a paisagem gaúcha é variada e deslumbrante.
Mas a direção é um tanto travada. Os diálogos soam literários e pouco naturais, talvez porque o maneirismo do linguajar imponha um tom declamatório aos atores, quase todos não familiarizados com o dialeto regional. Metade das falas são dadas com os atores de costas para a câmera.
Soma-se a isso a circunstância de se tratar de um filme praticamente todo ao ar livre, mas com o som dublado em estúdio. Assim como as falas, os ruídos soam artificiais, sem vida.
Os movimentos de câmera -com exceção do magnífico travelling final- parecem igualmente inibidos, pesados.
Em função de tudo isso, "Anahy" é um espetáculo mais pictórico que propriamente cinematográfico. Lembra, de algum modo, o artificialismo das grandes produções "costumbristas" da Vera Cruz. Enche os olhos, mas o espírito continua com fome.

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