São Paulo, domingo, 26 de outubro de 1997
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Lentidão de SP inibe projetos, diz arquiteto

DA REPORTAGEM LOCAL

Os congestionamentos em São Paulo chegaram a tal ponto que o próprio trânsito ruim limita empreendimentos que atraiam grande volume de veículos.
O raciocínio é de Júlio Neves, um dos principais arquitetos de São Paulo. "Se você constrói um shopping e o consumidor pega um grande congestionamento para chegar, ele não volta mais", diz. "O construtor pensa nisso."
O shopping Tatuapé (zona sudeste), que tem abertura prevista para esta semana, serve para ilustrar a tendência, segundo a CET.
A via em que está construído -radial Leste- já é tão congestionada que isso deve inibir parte das pessoas que o visitariam de carro, na avaliação da companhia.
O Tatuapé também é citado por Júlio Neves para tentar demonstrar o que considera um fato -hoje, quantos mais shoppings houver na cidade, melhor para o trânsito.
"É uma forma de distribuir o movimento, fazendo as pessoas frequentarem um shopping perto de sua casa e evitando que cruzem a cidade", afirma.
Júlio Neves inverte a lógica: o que está errado não são os novos empreendimentos, mas a falta de infra-estrutura de transporte. "Não adianta barrar um determinado projeto, porque o trânsito está saturado na cidade toda."
O arquiteto se alinha entre os que acham que o zoneamento em São Paulo é restritivo demais.
E aí começa a briga: adequar o zoneamento à capacidade do transporte ou a infra-estrutura à previsão do zoneamento?
O urbanista Cândido Malta Campos Filho acredita que a cidade deve barrar empreendimentos em áreas saturadas. Para nortear essa ação, ele defende o uso de um modelo matemático como o que São Paulo teve na década de 70.
"É um grande mapa da cidade, que permite simulações sobre transporte e ocupação. Com ele, poderíamos calcular quanto determinado empreendimento geraria de trânsito extra", conta.
Cândido Malta não vê empecilho legal ao veto a projetos com a legislação atual. Para ele, tudo depende de vontade política e do viés usado na interpretação da lei.
"O prefeito pode parar um projeto que gere caos no trânsito. Se o construtor entrar na Justiça, o prefeito mostra que haverá prejuízo à cidade e ganha a ação", acredita. "Há artigos nas leis que, combinados, permitem isso."
Para o urbanista, o direito do construtor tem limites. A começar pelo zoneamento, diz, que já determina quanto se pode construir.
Ele acredita que infra-estrutura existente e qualidade de vida da vizinhança têm necessariamente de ser levadas em conta para estabelecer outros limites.
Para Júlio Neves, o impasse entre obras e trânsito deve ser vencido pela iniciativa privada, sob a coordenação do poder público. Se o que falta é dinheiro, o negócio é deixar construir e cobrar por isso, raciocina.
"O fato é que é preciso fazer alguma coisa, porque, em 20 anos, não vamos perguntar qual o dia da semana em que temos de deixar o carro em casa, mas em qual deles poderemos sair dirigindo."

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