São Paulo, domingo, 26 de outubro de 1997
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A fragilidade externa e o Real

LUIZ FERNANDO R. DE PAULA; ANTONIO JOSÉ ALVES JR.

LUIZ FERNANDO R. DE PAULA
e ANTONIO JOSÉ ALVES JR.
Pode-se definir o grau de fragilidade financeira externa de um país quanto maiores (ou menores) forem as necessidades de que uma economia tenha de recorrer ao mercado financeiro internacional para renegociar suas posições financeiras em aberto, ou seja, aquelas obrigações que não possam ser pagas de imediato.
Como o grau de fragilidade está relacionado à capacidade de pagamento de um país com relação às suas obrigações cambiais, assim como ao perfil destas, elaboramos, para avaliar a economia brasileira, um Índice de Fragilidade Financeira Externa (IFE).
Simplificadamente, o índice compara, em um determinado trimestre, as obrigações reais (despesas com importações e com serviços e amortizações de empréstimos) e virtuais (estoques de capitais de curto prazo e de investimentos em porta-fólio acumulados) de um país, em moeda estrangeira, com sua respectiva capacidade de pagamento, representada pelas reservas em divisas, pelas receitas com exportações e serviços (juros e outros) e pelos empréstimos de médio e longo prazos e investimentos diretos estrangeiros.
Quanto mais elevado for o valor do índice, maior é a propensão de um país ser afetado por mudanças na conjuntura internacional e menor a sua capacidade de cumprir compromissos financeiros mais imediatos, colocando-se numa maior dependência de refinanciamento ou de "queima" de reservas.
Alternativamente, quanto menor for o seu valor, maior é a capacidade de um país cumprir seus compromissos mais imediatos sem ser necessário recorrer ao refinanciamento e aos seus estoques de reservas, o que significa que as obrigações reais e virtuais estão sendo cobertas por receitas correntes e por fontes de financiamento de prazo mais dilatado.
A partir de dados das contas externas, construiu-se uma série do Índice de Fragilidade Externa (IFE) para a economia brasileira desde o 2º trimestre de 1992 até o 1º trimestre de 1997, relacionada no gráfico com valores do saldo comercial do país. Uma primeira análise do IFE revela a existência de uma forte correlação negativa com os resultados da balança comercial.
Em face do aumento nos déficits em conta corrente, o financiamento de longo prazo desses déficits não tem sido suficiente para impedir o aumento da fragilidade financeira externa. Por isso, tem havido necessidade de recurso ao refinanciamento de curto prazo, o que faz com que o país fique vulnerável às mudanças nas expectativas de curto prazo formuladas pelos especuladores internacionais.
O detalhamento da evolução das variáveis externas e seus efeitos sobre a vulnerabilidade externa do país podem ser acompanhados pelo comportamento do índice, que parece apontar quatro períodos importantes em sua evolução no período analisado.
1º) Período que compreende o 2º trimestre de 1992 até o fim do 2º trimestre de 1994, em que se observa um comportamento levemente ascendente do índice, em função principalmente do crescimento dos investimentos em porta-fólio, contrabalançando parcialmente pelos saldos positivos na balança comercial.
2º) Período que vai do 3o trimestre de 1994 até o 1º trimestre de 1995, limitado, no início, pela introdução da nova moeda e pela forte liberalização das importações e, no final, pela crise mexicana e o decorrente "efeito tequila", em que, com o aumento nos fluxos de capitais de curto prazo e a explosão das importações, o IFE saltou para um patamar mais elevado.
3º) O breve período de queda da fragilidade, que vai até o final do 3º trimestre de 1995, quando se verifica uma rápida e curta recuperação no saldo da balança, além de um aumento no fluxo de capitais externos, ocasionando um forte aumento nas reservas, num contexto em que foi adotada uma política econômica contracionista.
4º) Um último período, do 4º trimestre de 1995 até o 1º trimestre de 1997, marcado por déficits comerciais ascendentes e pelo crescimento do IFE, para o que contribuiu ainda o peso dos capitais de curto prazo e das despesas com serviços não-financeiros como viagens e amortizações de empréstimos, contrabalançado parcialmente pelo bom desempenho dos empréstimos de médio e longo prazos e do investimento direto.
O exercício anterior mostra que a persistência de déficits na balança e a contínua absorção de capitais de curto prazo têm contribuído decisivamente para o aumento da vulnerabilidade externa da economia brasileira, o que pode colocar em risco a sustentação de longo prazo do Plano Real.
O aumento no IFE, em particular a partir do final de 1995, parece ser uma indicação clara de que os atuais níveis da taxa de câmbio não se tem revelado apropriados, o que aponta, em princípio, para a necessidade de efetuar algum tipo de ajuste dirigido.
Contudo, as possibilidades de correção na política cambial são limitadas pelo próprio crescimento no grau de fragilidade externa do país, em função de seus possíveis impactos sobre as expectativas dos investidores estrangeiros e sobre o movimento de capitais externos, podendo vir a agravar o próprio equilíbrio externo.
Isso sugere que o governo tem um raio de manobra bastante estreito para alterar sua política cambial, não restando senão a alternativa de efetuar uma lenta e gradual desvalorização real no câmbio e, ao mesmo tempo, manter um firme monitoramento sobre a demanda agregada interna, ao custo de um crescimento econômico abaixo do potencial do país.
Resta saber até que ponto essa política será capaz de evitar uma crise cambial caso o grau de fragilidade financeira externa continue a crescer e/ou o quadro internacional se deteriore.

Luiz Fernando Rodrigues de Paula, 38, doutor em economia, é professor-adjunto da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: lfpaula@ax.apc.org.

Antonio José Alves Júnior, 32, economista, é professor-assistente do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
E-mail: antonio@ie.ufrj.br

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