São Paulo, domingo, 26 de outubro de 1997
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Os 30 de Birigui

LUÍS NASSIF

Em 1995, quando o Banco Central deu início a uma das mais irresponsáveis políticas monetárias da história, Birigui quebrou. A vida da cidade girava em torno da indústria de calçados.
No início daquele ano, o empresário Carlos Alberto Mestriner convidou o professor Vicente Falconi -"pai" dos programas de qualidade brasileiros- para proferir palestra na cidade. Antes, levou-o a um tour macabro pela cidade. A cada quarteirão mostrava portas fechadas de pequenas empresas que fecharam ou estavam em via de desaparecer.
Um ano antes, as empresas de Mestriner e de sua irmã tinham iniciado programas de qualidade e eram praticamente as únicas a resistir. Agora, recém-eleito presidente do Sindicato da Indústria de Calçados e Vestuários de Birigui e Região, Mestriner sentia-se na obrigação de colocar à disposição das outras empresas sua experiência.
Na palestra, em vez de compreensivo, Falconi foi severo. "Olhem para suas próprias empresas e respondam para vocês mesmos: sua empresa é eficiente?".
Sob o impacto da palestra, Mestriner reuniu 200 empresas do setor para a grande trincheira da resistência. Sem qualidade total, preços competitivos, prestação de serviço diferenciada, design, propaganda, prazos, não haveria salvação. Trinta aderiram e se prepararam para transformar Birigui na Petrogrado do Plano Real.
A grande guerra
Em vez de montar sapatos à galega, começaram a trabalhar com pesquisas, cientificamente. Ao mesmo tempo, o sindicato fez acordo com grandes fornecedores que passaram a ajudar a prospectar o mercado externo, enviando pesquisadores à Europa, disseminando o novo design em três a quatro seminários anuais.
Com qualidade e preços, produtos mais competitivo e design, os 30 de Birigui começaram a avançar sobre outros mercados. Junto com o sindicato e com o Sebrae, montaram missões para a Argentina e a Bolívia.
Este ano, Birigui vai exportar 6% de sua produção. Os Mestriner, 13%. As empresas que se engajaram no programa aumentaram postos de trabalho com velocidade incrível. Há dois anos a empresa da irmã de Mestriner tinha 500 funcionários, hoje tem 900. A de Mestriner tinha 1.450, hoje tem 1.880 funcionários diretos, mais 700 das empresas que prestam serviços terceirizados.
Ainda há muito a caminhar. Birigui chegou a produzir 120 mil pares de calçados/ano. Com a crise, a produção caiu para 80 mil pares e atualmente está em 110 mil.
Muitos soldados que não se engajaram no esforço de guerra ou desapareceram ou se transformaram em fornecedores dos 30. Além disso, o grupo experimentou montar uma central de compra, mas ainda não conseguiu. Como admite Mestriner, ainda falta amadurecimento empresarial, que deverá chegar com o segundo estágio.
A base instalada, em todo caso, permitirá em breve que outras empresas se engajem no programa e, com os ganhos de escala, permitam o aparecimento de uma vasta gama de empresas terceirizadas -como promotores de venda, especialistas em design etc.-, reduzindo significativamente o custo fixo da produção. E aí ninguém segurará Birigui.
Corporativismo 1
O reitor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) não é conhecido no meio científico e tecnológico. É do PT e foi eleito esgrimindo discurso pesadamente corporativista. Mas vai entrar para a história das universidades brasileiras como o reitor que perdeu a fundação que seria aceita por qualquer universidade de primeiro grupo.
Pioneira dos programas de qualidade no Brasil, com uma carteira de mais de 4.000 empresas atendidas, a FCO tem ajudado a revolucionar as gestões pública e privada.
Incomodado, provavelmente pela FCO ser a prova viva de que universidades podem ser eficientes e rentáveis, o reitor baixou portaria dispondo que a fundação só poderia trabalhar com maioria de consultores da própria universidade e deveria destinar 25% de sua receita à Faculdade de Administração.
Em uma semana, a FCO arrumou dez patrocinadores que toparam financiar a nova fundação. Na sexta feira, a nova fundação, agora de direito privado, foi lançada.
Corporativismo 2
A Escola Estadual Madre Carmelita, em Belo Horizonte, tornou-se referência nacional de qualidade. De escola caindo aos pedaços, transformou-se em escola modelo, sem que o Estado despendesse um tostão a mais.
No mês passado, o secretário da Educação de Minas Gerais "promoveu" a diretora, alma do programa, tirando-a da escola e indicando para seu lugar uma nova diretora -ativista política como o reitor da UFMG- que suspendeu o programa.
Propõe-se que Minas erga estátuas aos educadores desaparecidos: o secretário da Educação, o reitor da UFMG e a nova diretora do Madre Carmelita.
Minas, às vezes, desanima-me profundamente.
E-mail: lnassif@uol.com.br

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