São Paulo, domingo, 26 de outubro de 1997
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Derrotado, Menem deve defender 'estabilidade'

DO ENVIADO ESPECIAL

Na noite de hoje, encerrada a votação, está previsto, em princípio, que o presidente Carlos Menem ocupe a rede nacional de rádio e televisão, seja qual for o resultado, para dizer na essência: "Nada vai mudar. Vamos manter este modelo, vamos aperfeiçoá-lo".
Se seu antecessor, Raúl Alfonsín, coordenador da Aliança, a coalizão oposicionista, pudesse também usar a rede nacional de TV, diria o contrário: "O povo vai dizer a Menem que tem que mudar, tem que fazer outra coisa", acha o ex-presidente.
O que, exatamente? "É preferível um pouquinho de inflação com pleno emprego a uma economia com estabilidade de preços, mas com 16% de desemprego", receita Alfonsín.
Essa heterodoxia não é consensual nem mesmo na Aliança, cujo programa prevê a manutenção da paridade fixa entre o peso e o dólar, estabelecida em abril de 1991 e que funcionou como a grande âncora antiinflacionária.
Mas, de todo modo, é uma tentativa de dar resposta a uma insatisfação generalizada, que não se explica nem mesmo pelo elevado desemprego.
Duas semanas antes da eleição, o "Clarín", o principal jornal argentino, publicou pesquisa da consultoria A. C. Nielsen na qual 74,6% dos pesquisados marcaram um "x" na opção "estamos mal e vamos mal".
Só 4,5% preferiram o oposto ("estamos bem e vamos bem").
O sindicalismo argentino, mesmo aquele que se manteve submisso a Menem até agora, captou os novos ventos.
"É a hora da etapa social, dos Blair e dos Jospin", diz Armando Cavalieri, dirigente sindical do comércio, em alusão aos primeiros-ministros do Reino Unido e da França.
Um e outro estão tomando medidas, embora tímidas, que os diferenciam de seus antecessores neoliberais, enquanto Menem fala em "manter o modelo".
Os novos temas
O modelo dá claros sinais de que esgotou todo o lucro político-eleitoral que a estabilização da economia sempre traz aos responsáveis por ela.
Tanto é assim que Miguel Ángel Broda, o mais badalado consultor do país, diz que a Aliança pode ganhar a eleição de 1999 e que "se quebrou a coalizão entre o establishment e o governo Menem".
Detalhe: não se trata de um adversário do modelo, mas de alguém que Menem convidou para ser ministro de Economia, em substituição a Domingo Cavallo, no ano passado. Só não foi porque pediu 48 horas para pensar e o presidente tinha muita pressa em designar o substituto.
Tudo indica que o eleitorado argentino acreditou na afirmação, por exemplo, de Rodolfo Terragno, um dos líderes da Aliança, de que "a estabilidade (econômica) é uma conquista social".
'Bando de ladrões'
Se é assim e os dois lados se comprometem a mantê-la, o voto passa a ser guiado por outros temas.
"As eleições vão mostrar um forte castigo ao modelo político, mas não ao modelo econômico. Ao modelo político se atribui 100% dos efeitos sociais negativos, pois as pessoas acham que é a corrupção que não permite que consigam o que desejam", diz o pesquisador Enrique Zuleta Puceiro.
Muitas oitavas acima, é o que afirma também um ex-ministro de Menem, Gustavo Beliz: "Milhares de argentinos não se conformam com o fato de este país estar sendo governado por um bando de ladrões".
Beliz é candidato pelo partido criado pelo ex-ministro de Economia Domingo Cavallo, responsável pela introdução da paridade fixa peso/dólar e hoje adversário do governo.
Tudo somado, parece claro que entre o "nada vai mudar" de Menem e o "tem de mudar" de Alfonsín, o dia seguinte da eleição ficará em algum ponto no meio do caminho.

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