São Paulo, domingo, 26 de outubro de 1997
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Peronismo sofre transformação radical com Menem

CLÓVIS ROSSI
DO ENVIADO ESPECIAL

O peronismo nasceu ao grito de "Braden ou Perón".
Spruille Braden era o embaixador norte-americano na Argentina, em 1946, acusado, de acordo com os cânones nacionalistas, de conspirar contra a candidatura, afinal vitoriosa, do general Juan Domingo Perón, o criador desse movimento populista.
Meio século depois, o sucessor de Perón, o atual presidente Carlos Menem, recebeu seu colega norte-americano, Bill Clinton, com uma frase absolutamente oposta: "Esta terra é sua terra."
Mas a mudança de 180 graus não provocou espanto algum. Nos seus oito anos de gestão, Menem incumbiu-se de desfazer, ponto por ponto, o que Perón fizera.
Perón estatizou um punhado de setores da economia e passou a protegê-lo com tarifas de importação elevadas.
Menem privatizou tudo o que Perón estatizara e até algo mais. Reduziu as tarifas de importação da média de 50% para 10%.
O antiamericanismo clássico no peronismo deu lugar ao que o atual chanceler argentino, Guido di Tella, chama de "relações carnais" com o antigo demônio do Norte.
Os "descamisados"
Natural, portanto, que o filósofo político argentino Ernesto Laclau, da Universidade de Essex (Reino Unido), constate: "Menem certamente não é peronista em nenhum dos sentidos clássicos que tinha o peronismo nos anos 40 e 50."
Não o é nem em relação aos "descamisados", o termo cunhado por Evita Perón para se referir aos mais pobres, cuja defesa, no mais clássico estilo populista, transformou Evita em uma espécie de santa dos desamparados.
"Os peronistas se aburguesaram, depois de oito anos de governo. Se não voltarmos à mística da rua e da luta, estamos perdidos", admite até um senador peronista, Jorge Yoma, senador justamente por La Rioja, a Província de Menem.
Ainda assim, os especialistas juram que os "descamisados" continuam sendo peronistas. "As classes baixas foram e continuam sendo peronistas", diz, por exemplo, Manuel Mora y Araujo, sociólogo e especialista em pesquisas de opinião.
Uma delas lhe dá razão: o cabeça de chapa do peronismo na capital federal, o rico empresário Daniel Scioli, tem apenas 6,5% das intenções de voto (contra 55,8% da oposição) no elegante bairro da Recoleta.
Já na Boca, o folclórico bairro popular, Scioli perde para a oposição por bem menos (43,4% contra 31,3%).
Explicação? A velha mística do peronismo mais uma quase imperceptível melhoria na renda no período Menem: os 30% mais pobres têm, hoje, um salário real 0,8% maior do que em 1990.
Não parece lhes importar que sua participação no bolo da riqueza argentina seja ainda menor do que o pouco que tinham quando Menem assumiu (caiu de 8,8% para 8,1%).
(CR)

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