São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 1997
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Jogador evita vermelho em morro

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

Craque do time de futebol do morro do Borel (zona norte do Rio), Carlos Eduardo Crisóstomo Cruz, 17, diz que jogar de camiseta vermelha é perigo na certa.
Motivo: os traficantes da Chácara do Céu, no alto do morro, integrantes da facção criminosa Terceiro Comando, acham que a cor é um sinal de apoio ao grupo rival Comando Vermelho, que comanda o tráfico na parte baixa.
"Quem joga de camisa vermelha marca bobeira e vira alvo. O pessoal lá de cima já matou dois que estavam jogando de vermelho aí no campinho", afirmou Cruz.
Esse tipo de mudança de comportamento é o tema central do estudo "Violência e Juventude Urbana Pobre", realizado por pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Foram entrevistados 120 jovens pobres e não-delinquentes, sem passagem pela polícia e com idades entre 12 e 21 anos.
O estudo revela que 41% das violências sofridas pelos jovens são atribuídas por eles à polícia (humilhações e/ou revistas). Segundo os entrevistados, as revistas são normalmente seguidas de agressões.
Os dados revelam que 96% dos jovens não procuraram uma delegacia ou a PM para denunciar a violência. A principal justificativa dada por eles (34%) foi a de que não acreditam na polícia.
"Entre a polícia e o crime, o que se instala entre os jovens é a cultura do medo como principal fator de definição da identidade", diz a antropóloga Ana Quiroga, coordenadora da pesquisa.
Bonés
Com medo, a juventude urbana pobre cria suas próprias regras de segurança. Os bonés, por exemplo, desaparecem das cabeças dos jovens quando a polícia está nos morros. Segundo os jovens pesquisados, quem está de boné é confundido com funkeiro e não escapa das revistas da polícia. Para andar de ônibus, é preciso deixar em casa os tênis importados, sonho de consumo da maioria. Os jovens temem ser roubados.
A surpresa da pesquisa é a participação dos jovens em grupos religiosos, que aparece em 20% das respostas de formas de se associar mantidas pelos jovens.
Os grupos religiosos só perdem para as "galeras" (42%), grupos de rua ou de bairro, com códigos particulares de amizade e traição.
A pesquisa mostra que os jovens não se ligam a grupos tradicionais, como partidos políticos ou associações de moradores.

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